quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

O natal caboclo no Sudoeste Babilônia - O Historiador Andarilho

20 de dezembro de 2010.

São 3:43, duas banquinhas de dois bairros (gangs) se enfrentaram ali na rua Iguaçu... Lajotas foram quebradas são seu armamento bélico, vitrines despedaçadas, garrafas quebradas, nenhum alarme tocou, somente o que se escutavam eram os urros em altos decibéis dos habitantes de periferias de duas Pato Branco. O sangue caboclo se evidenciava na lua cheia.

Moradores do sertão, Pirata, Renanzinho, Xuxinha, Sakura, Magrinho Jones, Gordo BNH, Cara de Tilanga, antes eram anônimos agora vemos sua degladiação da janela de um apartamento. Os enfeites de natal contrastam com o clime de selvageria urbano, A REALIDADE. A Polícia não aparece, e o que seria chamado de impunidade penal ocorre, alguns psiquiatras chamam aquilo de "loucura coletiva", o não cessar do instinto em meio a tudo que a civilização esqueceu.

Civilização essa que é só de discurso, pois abandonou os direitos do cidadão como um mero documento. A destruição do "outro", chamado assim mas que também é morador de bairro, operário de médio padrão e que gosta de uma cervejinha nos fins de semana, os dois eram iguais mas foram incentivados pelo consumo a serem diferentes em suas roupas, carros para com isso conseguirem mais "gatas".

São esses os nossos meninos, um pouco distintos por evidenciarem a feição cabocla e "gringa" de bairros que são totalmente diferentes do centro. Eles negavam a oportunidade comprar o ideal de Jesus Cristo para si, aceitam uma única forma de amor que se transfigura naquele que é parecido com ele mesmo. Uns são "pretos de bairro", outros são "playboyzinhos branquelos", mas isso é mero discurso. Ambos foram jogados para a mesma coisa, para as mesmas dificuldades, entretanto uns se gavam, outros se menosprezam.

Se o sudoeste possui uma identidade, ela se esfacelava no seu próprio sangue. Somos vislumbrados nos programas policiais da TV local com o insucesso da criação, as mortes no trânsito e a vingança de um irmão morto. A periferia somente é lembrada nesses momentos, esquecida primeiramente pelo governo que nada governa a não ser a luz que vai para as árvores feitas de material reciclável.

A babilônia em chamas. Uma dessas árvores no seu verde plástico de garrafa de Soda Limonada queima em meio a praça, o desfecho da ilusão, fugimos de nossos instintos em favor de um Papai Noel Coca-Cola, quando nosso Papai Noel é um picolezeiro caboclo que entrega 36 presentes num orfanato, mas como ele não faz a barba e não toma banho não aparece na TV. Aqui não é Curitiba, mas pelo menos na esquina da maior loja de roupas da região é.

Vestidos nossos operários caboclos com a moda da vez. Levamos nossas filhas até a Boate para que seja despida pelo filho de um empresário e caso não queira se entregar a ele, a violência se torna inevitável. A periferia produz para a cidade "capital do sudoeste" peões durante o dia, a mesma TV que diz perseguir delinquência produz o discurso de que a indústria é o progresso. Jogamos nossa capacidade numa linha de produção, negamos sua criatividade e favor dos lucros que propagandeiam nossa "evolução social".

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Os gringo de Mariopa: "Vai toma num ais de copa"

Diário do historiador andarilho: Mariópolis, 23/12/2010

A partir de um de meus estudos etnográficos pelo sudoeste do Paraná, não pude chegar ao destino que desejava. "O bugrinho Nino mora ali perto da cooperativa Camisc", ficou pra uma próxima vez, era fim de ano e esse homem que trabalhava com curas religiosas pelas xaropadas engarrafados não tava atendendo.

Nessa pegada, fui visitar um tio que me contou uma história:

"Certa veiz, uma muié da Vivo me ligo pedindo se eu queria entra numa promoção de bônus e botá 20 real de crédito pa ganhá umas promoção. Máááá eu peguei e falei: 'que promoçon, vá tomá num ais de copa'"

Enfim, ali a tecnologia não chegou como os grandes empresários almejavam. Numa outra oportunidade, esse mesmo tio recebeu uma ligação do Itaú:

"Que me fincá em otro tipo de conta, sendo que eu só recebia a aposentadoria, vavava home, peguei e falei pa muié: 'eu vô chamá tudo na justiça, seus vadio, vão trabaia'".

Era fim de ano, ele logo me convidou pra carnear um porco assarmos uma carne.
Um abraço tio, obrigado pelo churrasco, FELIZ ANO NOVO.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Diário Gaudério: Um chimarrão e um pau véio lá pras bandas de "Parmas"


Agosto de 1920, 17:00 da tarde
transcrição de Baldo Martins, gaúcho que trabalhou na Estância Fortaleza, contando de uma de suas tropeadas pelo sertão do Paraná.

Camperiando lá pras banda de Parma (Palmas) no Paranazão véio, bem pra lááá dos Campo de Gorpa (Guarapuava) fizemos um trampo na Estância São Pedro, muito próximo dum lageado guapo que cobria um campão que mais parecia um pampa cortado pelos ventos minuano. Meu sonho de guri era ser dono de uma dessas cocheadas, dessas que tinham mais de 200 cabeça de gado, uma grande sede, um chiqueroun (chiquerão) e umas galinha sendo tratada por uma china beeem da boa.

Mas inda sô um pião, capinando mato dozotros (dos outros), tomando pinga de mentruz pra cura os 'zintestino' e aquecê o lombo, crioulo de galpão que troteia várias lidas.

Um vento que parecia formar uma invernada, "os céu" se fechavam numa grande nuvem que cobria tudo, a noite viria mais cedo. Essa era a Parmas que todo mundo falava lá pro sul. Se "fechemo" (fechamos) numa roda em vorta do fogo pra trás duma campina, uns 3 peão da fazenda.

Numa roda conheci o caseiro da estância, seu Amadeo, italiano metido a gaúcho meio mancebo quis servi um chimarrão botando uma erva meio tastaviada amarelada parecida argentina, se cuspia tudo enquanto contava umas piada sem graça e racista sobre a caboclada que fugiu do Contestado e se bandiô lá pros lado de Bom Retiro. Eu só deduzia os assunto e não me agradava, fio de índio véio do mato comecei a me ofender, mas só fui levando por estar em casa alheia, já tava possesso por "dreento" com sangue no zóio, má tava mantendo a pose de matcho gaudério de perna cruzadota por fora...

Continuava o gringo mal cevando aquele mate, o que me dava mais raiva, por ver um mancebo se julgando perfeito e falando mal dozotros. Quando me passou a cuia e disse: "Vai lá gauchão, esse é o verdadeiro chimarrão do sul". Na hora que peguei na cuia, botei os beiço na bomba fria me desgostei duuum jeito que voeeei no pescoço daquele gaúcho falsificado, quando o home me cai pra trás já puxei o revorve e dei uma coronhada num peãozão que vinha por trás.

Virei num chinês, tirei um chicote de lida e já estoletiei a cara dum bugre que vinha na minha cola, ergueu o poerão e eu ia chingando o metido caseiro, soco, chute, cintada, o pau pegô bonito que o fio apanho e a mãe nem viu. Moi a pau os doze numa pegada e pulei encima dum potrô dando três tiro pra cima e gritando: "Aqui é Farrapo de verdade, não tem diabaria nem piazagem, ergo tudo no laço otra veiz"...

A peleia tinha sido bunita, avoei nos loco que nem mula chucra, larguei tudo os jaguara gemendo moído no chão...

Sai campinando um trecho sem nem querer saber se iam me pagar. Peguei um pelego, uma gorpeada livre de cachaça de mentruz e saí me bandeando pros mato que lá sim é território de todos.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

O pay-bang Vitorino e suas mulheres conhecem o "Baxinho": O "butim" nos Campos de Palmas (inspirado em documentos históricos)


14 de dezembro de 1852.

"Nem tudo era quebra pau, pelas andanças desse rincão, um nanico chega ao sertão dos Campos de Bituruna (Palmas) para realizar um butim (escambo, troca de especiarias por mão de obra e favores indígenas)"...

Tropeiro da lida, encargado em uma mula, esse pequeno homem trazia as chamadas especiarias vindas direto do Rio Grande, um rapazote fedendo salame mas que parecia embutido de uma "missão civilizadora".
Essas eram suas palavras, há alguns anos havia participado da catequese e do aldeamento de Nonohai (norte do Rio Grande), conheceu lá todos os caciques e todos os índios e principalmente índias, logo foi apelidado de "Gringo das bugra"...

Seu intento era descobrir o paradeiro de Vitorino Condá, esse por sua intenta logo foi flagrado no mato junto com duas índias esbeltas com lindos seios a mostra. Embaixo do pelego do cavalo, ao lado do estribo, ele foi tirando vestidos e mantas, ao mesmo tempo que foi se desvincilhando de sua guaiaca e se sentindo mais a vontade, baixando também sua minúscula bombacha, ficando só com um pequeno lenço que servia-lhe de zorba. Sua vontade era estar peladão peladão, já que todos que pelo lado do rio passavam e avistavam sua "vontade em pé".

Vontade essa que parecia pequena, mas não é o que se pode dizer internamente. Logo mãos e pernas se encontravam num pequeno capão em volta do rio, as mulheres terminaram suas carícias e logo entraram no rio se banhar, o Gringo se negou por não ser muito chegado nem nos chamados "banhos tchecos".

A visita foi rápida, logo após o banho as moças passaram um bom óleo natureba extraído de um cacete do mato pelo corpo e colocaram os vestidos que ganharam.

Assim caminhava a civilização dos Campos, mulheres já adornadas de panos feitos de cânhamo, embuchadas (grávidas) pelo prazer e pela sua inocência. Essa lenda corre as bocas e ouvidos do sudoeste paranaense até hoje, dizem que dali é feita as populações que habitariam aqueles Campos até o oeste de Baracão, daquele jeito de uma mescla da melhor origem da matriz Kaingang com os primeiros tropeiros que aportavam naqueles rincões.

Histórias como essas fizeram vários do mestiços que vivem em nossa região, descendentes de índios com o fator branco, elas possuem um lema um pouco machista e racista criado pelo véio Bauco de Laranjeiras (1945-1998): "Bugra do mato, se vende por ropa, se vende por carro".

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

O leve sopro do PCP sobre os trabalhadores e vadios dos cafundós de Palmas (1917)

"Somos minoria, sabemos, mas ousamos escrever a própria História entre tantos que perseguidos já foram. Em justiça aos que se foram e em contato com os que virão, somos a força do trabalhador explorado nessas candeias onde pinheiros caem sobre os membros de nossa força de trabalho".


Outubro de 1917

Nota do Partido Comunista do Paraná colada na porta da Matriz da Igreja Bom Jesus. Organizava-se uma frente popular entre os trabalhadores em 1917 em Palmas?

A tocaia da estrada Guara evidencia a perseguição ao "grupelho" que fundou um partido de extrema-esquerda em Palmas. O dono de uma caminhonete havia dado uma carona por uma picada escondida a um dos quatro membros desse partido, índios, gringos, sertanejos e todo um tipo de gente passou falando sobre a chamada: "Revolução".

Inspirado numa literatura recém-chegada ao sul do Brasil e acompanhando as últimas da Revolução Russa, esse personagem abandonado pela História produziu o "Manifesto Campesino dos Campos de Palmas", com o objetivo de entregá-lo nas mãos do jornalista e historiador Romário Martins. Falava ele dos madeireiros explorados pelo julgo dos coronéis, das sangrentas guerrilhas de farrapos derrotados, do esquecimento político por parte de Curytiba. Seu pseudônimo todos conheciam, Polaco Tião.

Exaltando sua utopia, denunciava as "formas arcaicas desse capitalismo arcaico mesclado com um tom de medievalismo dessacralizado" - o coronelismo e os madeireiros eram seus principais inimigos. Poucos entendiam, alguns eram fugitivos do Contestado, criminosos, uma vez um senhor de idade olhou calmamente em seus olhos e disse: "meu fio, não adianta nada" e complementou levantando dum cepo a todo fervor pulando numa parede e gritando: "aquiiiii é tudo um vadiozedo do demonhooooo".

Segundo relatos de um confidente amigo de copo de Tião: "ele era um audaz jovem rapazito guri cheio 'das ideologia', mas não sei por alopração de candango ou se porque eram tudo uns povo madracero, ele não convenceu ninguém de suas loucuras" (sic!). Disse um medidos de terras: "A real é que essa peonada só gostava de ver os boi pastá".

Os outros membros, mais moderados não foram revelados nem encontrados. Cederam ao poder dos exploradores, fizeram silêncio e deixaram o curso da História ser guiado pelos vencedores.

domingo, 28 de novembro de 2010

Sangue, suor e cachaça: A bodega do Nêne e o tesão do sertão (parte 1).

Bodega do Nenê ou Zona do Nêne (próximo do rio Veado, futura Mariópolis) 31/12/1899, 23:58.




"Dei um tiro pra matá esse 'oreia seca'", gritou Araújo após acertar um balaço no peito de Pirilampo Alves.

A chuva caia grossa. A minguada lua havia se camuflado no rodeio das nuvens. Naquela época, a zona era um lugar de lazer masculino alimentado pelo tesão, pela cachaça e pela pólvora dos revólveres dos "bicho macho" daquelas redondezas.

Se boleava um truco na bodega, Pirilampo Alves caçador do mato, havia ali parado pra saborear um trago, mas logo foi deitando a réstia no chão (morreu) pois havia 'bizoiado' e caguetado o Capitão Araújo roubando no carteado. 


Nêne - dono da bodega - não pensou duas vezes, queria faturar foi vendendo catuaba e trazendo o que ele chamava de "putedo" para aquela festa particular do ano novo.

Dona Dulce havia mandado para Nêne 3 das suas chinas conhecidas na localidade. A primeira, "Marilu", coxuda, pernuda, bunduda, pescoçuda e tinhosa. Acostumada a  receber dinheiro, joias e propostas de casamento, mas jamais se entregava, diziam que "não gostava de pinto", mas gostava de meter... meter a mão no bolso de grandes fazendeiros que caíam a seus pés como se caíssem na lama tipo cavalos chucros do Uruguai.

Junto dela estava a buxuda Hermelina, essa sem nome artístico, era uma das mais perigosas daqueles eitos, carregava consigo um calibre 22 "drento" da meia calça, não dava moral pra nenhum marmanjo daqueles capinchos. Acostumada a 'escorar nego' no 22, diz a lenda que tirou o cabaço de todos os piás de Palmas, gostava de dar pros escravos do deputado que não posso aqui falar o nome. Diziam que numa noite entraram 6 no seu quarto, depois mais 6, depois mais 6, quando o último se saciou era meia noite, lua cheia, tocava o sino da Catedral, ela estava morta de tanto "foder", ficou  com a respiração paralisada, sem reação e os olhos bem abertos, tipo como se tivesse enfartado... que nada, 13 minutos depois levantou, serviu-se de um vinho e foi dançar em frente aos violeiros argentinos que lá estavam.

A negra Lacraia, ex-escrava, gostava de apanhar, "dava no coro" e dava o couro da pele por uma boa transa, passava a semana inteira com a pele rasgada, nas feridas passava banha de porco pra cicatrizar.


1899, o ano que falecia e quando as encostas do rio Veado testemunharam a "peste branca", a última etnia descendente de Vitorino Condá foi infestada pela pneumonia. Trazido pelos brancos, que viviam doentes e emprestavam suas roupas aos índios.


Todos aqueles chamados "bugres" morreram, caindo mortos no antigo rio Kaimuã, agora rio Veado onde o coronézão anos depois num comício coçava os fundilhos e bradava pedindo votos: "Tenho orgulho de ter nascido na encosta do rio Veado!"

A tribo foi infestada pela doença porque os fazendeiros doavam roupas infestadas aos índios com um pretexto: para que esses não andassem com o "jumbrelo balançando por aí". A mulherada via os índios passando entre as capoeiras, logo saíam a janela pra ver a "geba cor de cuia".

O carteado continuava na bodega, regado a catuaba... Havia 7 homens na festa pra 3 mulheres, então você já sabe, o pau vai comê nessa História.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

O paradoxo do índio e do caboclo: Vitorino Condá, apaziguador e conflitante nos Campos de Palmas

É interessante frisar que apesar de uma rivalidade entre os fazendeiros que estavam obcecados pelas terras de Palmas não se evidenciou nenhum conflito armado entre os diversos personagens brancos dessa colonização. Mas já entre os indígenas, esses conflitos são frequentes e todos são procedentes ao consentimento dos chamados “homens bons”. Esses assumiram o papel de manter contato com os líderes indígenas, sendo que esses deveriam se unir ao processo colonial.

1839 - Início dos povoamentos de Pedro Siqueira Cortês em Palmas culminam na necessidade de construção de estradas que ligassem a pequenina e nascente vila com o Rio Grande do Sul. Necessita-se o apoio de indígenas para tal empreitada, aparece o vulto do líder indígena mais respeitado daquelas bandas, Vitorino Condá.

Toda essa união culminava na guerra com outras tribos, um verdadeiro conflito fratricida. Em todos os documentos se registra a participação dos diversos agrupamentos indígenas em torno da construção de estradas para a vinda de tropeiros, o alastramento dos rastros das picadas indígenas construía essas verdadeiras vias de comunicação com o interior do estado do Rio Grande do Sul.

Um personagem fundamental para a colonização dos Campos de Palmas foi Vitorino Condá, pai-bang (cacique) de toda a região, era frequentemente visto saindo dos verdes campos com diversas famílias indígenas para influenciar diretamente nas decisões da ocupação de todo atual sudoeste do Paraná, do oeste de Santa Catarina e do noroeste do Rio Grande do Sul1. Apesar do seu aspecto de liderança, os interesses dos indígenas não são relatados como decididos simplesmente pela autoridade de Condá. Tinha em seu apoio Viri, índio Kaingang que herdara intensos anos de estratégia militar indígena, se aliaram aos brancos ainda no Aldeamento Atalaia (1820).

1 Por volta da década de 1840, dois árbitros neutros foram convocados para resolver a questão, Dr. João da Silva Carrão e Joaquim José Pinto Bandeira. Houve uma separação das duas comunidades, Siqueira Cortes ficara no poente e Santos para o nascente. (WACHOWICZ, op. Cit.: 15).


A perpetuação da História. Nas imagens, uma estátua em homenagem ao Índio Condá em frente ao estádio Índio Condá em Chapecó. O time do Chapecoense possui uma torcida sempre presente no estádio com um grito coletivo: "Índiooooooo Condá". Abaixo a imagem de uma gestão da prefeitura da cidade de Vitorino, homenageando também o antigo líder indígena.

O que é um projeto antiacademicista distante da Universidade

Eu só quero uma História que fale sobre os picolezeiros, as prostitutas, os prisioneiros, os bandidos, os buraios(1), os banidos...

Uma História com o "pê" da puta-que-pariu e do "bê" da baile bão(2), uma História desses campos enxarcados de sangue; realista entre os explorados pelas madeireiras; entre os chamados "bugres"(3) sendo caçados pelos jagunços; da viril confluência de todas as raças; de heróis, mas também de vilões; de homens que mentiram pras suas mulheres, omitiram seus negros, renegaram suas crenças e estruparam suas filhas...

Como tudo aconteceu, e hei de acontecer no papel... Zé das cabocla, Nego Wardo, Vitorino Condá (o omitido da mídia pato-branquense),
Maria Rita Brandina de Almeida ("mulher" do Padre Ponciano)(4), Firmino Teixeira Baptista, o Coronel Vivida...

___________
1 - A expressão "nego do buraio" é presente nessa região, usada como gíria e apelido nos dias atuais e direcionado a pessoas que se "esfumaçaram". Os negos do buraio, em tempos antigos eram responsáveis por trabalhar em Olarias e carvoarias, fabricavam tijolos e carvão, se "esfumaciavam" e ainda viviam sob formas precárias de vida.
2 - para o baile ser bão existia uma estimativa quantitativa: "se não morresse trêis numa baile" o baile não era bão.
3 - usado normalmente para designar índios de forma genérica e ofensiva. A palavra bugre foi incorporada ao linguajar sudoestino, quando uma pessoa bebeu abusivamente outra pessoa diz: "ihhhhh aquele ali tá entregue pos bugre".
4 - Poucos discutem mas possivelmente essa expressão seja originada na cidade de Palmas. Segundo "o Catequista" temos de imaginar um bando de "mulheres a caça de homens, onde tem menos homens do que mulheres e um dos homens é um Padre, ou seja, ele não pode casar, é casto, etc.
Então, a medida que as mulheres forem chegando vão arrumando seus pares.
A última mulher que chegar só encontrará o Padre disponível, isto é, ela ficará sem par, uma vez que o Padre não pode casar, nem relacionar-se sexualmente". Não há evidência de relacionamento sexual por parte do padre Firmino com mulheres.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Capitão Fagundes: semblante de Justiça popular na fronteira - Parte I

Apuntava o sol entre as araucária, nunca alguém poderá ver alvorecer como tal. Os habitante de Bella Vista de Palmas só acordavam mais tarde um poco, muitos deles nunca nem viram o nascer do sol naquelas localidades - quem dirá conhecer outro para comparar com aquele. A suntuosa beleza das propriedades logo se cobria da sinfonia do cantar do galizé, logo interrompido por um gritedo alucinante advindo da bodéga do Paulista.

Seu Aderbal, bigode, cabelo lambido, apesar de ser paulista, vinha das bandas de Castro. Ali montara tal mercearia com o intuito de prosperar, entretanto, seu mal humor e sua ganância expulsavam os cliente dando-lhes maior satisfação fazer caminhada até União - 40 légua a frente - ou desenvolver escambo com os tropeiros que por ali raramente passavam. Em uma semana ali aberta a bodéga apenas umas onça de charque, 2 litro e 300 de leite, duas trocha de arroz e talvez um saquito de 1 kilo de sal, nada mais...

A falência era certa. Um bolão rodava entre as 6 quadras daquela redondeza. 5 galinha e um porco que ele ia embora daqui dois dia, uma gazosa e doze litro de leite que demorava meio dia, tinha caboclo que apostava até que ia ser daqui uns minuto. E não deu nem nega, o ganhador foi o Véio Galião. Por quê? Ahhh, sim, enquanto prosiava do contexto do hóme esquecia do assucedido. Pois bem, a farra que o loco fazia era porque o Alejadinho Tomé, surdo-mudo, esfarrapado, desabrigado e tudo torto - não falo desdentado porque isso era normal naquelas redondezar - havia pousado escorado na frente daquela bodega afim de escapar do sereno e sem querer havia relado as costa na pintura nova do estabelecimento de Aderbal.

Sua atitude quis refletir a fuga do povo ao redor para com seu estabelecimento. Uma vingança cruel e sem razão na tentativa de ser justificada por um deslize dum pobrezito rapaz. Covardia tal até hoje registrada na boca do povo da região, logo acordou Tomé com um surdão nas orelha foi o jogando pra cima do barro e o pobre saiu resmungando: "humhumhumhumhum". O paulista gritava, não balbuciava: "Daqui pra frente é assim aqui e se não gostarem vão procurar JUSTIÇA, caquedo. Antes que eu me proclame por Ela". Galgava o indivíduo entre os olhares de medo do povo, que naquela manhã acabara acordando mais cedo (umas nove horas, tarde? Pra quem tinha que só cuidar do gado e dos porcos soltos? Era cedo) espiando o sucedido entre as frestas da cara - cada laminado de madeira serrada dava pra passar um gato mais ou menos.

Suas palavras praguejando contra o povo da região, entretantas, não sairiam impunes. Proferidas a partir da língua seriam engolidas a seco com língua e tudo. Mal havia terminado seu sermão herege, nem havia percebido do outro lado da ruela de lama, se sagrava o homem que, porém, não compactuaria com aquela atitude e não a deixaria em revelia. Apuntava de fronte pra Bocha do Guedez, naquele mesmo instante, a tropa que alguns anos depois ia servir com o rebelde Gumercindo Saraiva nos Maragatos. Entre eles, um com lenço bandana rubro prendendo outra tropa só que essa era de gadelhas abaixo dum chapéu curvado couro legítimo, poncho vermelho, desce do cavalo com seu bigode tipicamente comprido, temido e muito falado por todo oeste: Leopoldo Fagundes. Seu olhar não procurava desvendar o ódio ungido que queimava em seu peito, foi logo calmamente se dirigindo para o cocho de água afim de lavar o rosto suado da cavalhada noturna enquanto Aderbal sigurava sua carabina garrucha em punhos.

Após secar o rosto num lenço tirado do colo, Fagundes questionou o que perante ele seria um réu: "Por que tu hombre clamaste por justiça? Que te sucedes pra ter sido injustiçado?". O bodegueiro já se botava mais adentro mas ainda assim se desbocava: "todos vagabundos, veja só que esse arruaceiro cocha, embrusquetado, apagou parte da pintura da minha entrada. Estou aqui tem uma semana e ninguém faz compra aqui. Não faço questão de me relacionar entre essas cabocladas dos matos e italianos pão-duros. Acredita que um desses orinundi veio na minha bodéga e disse 'oh tió, má tá tudo meio caro, dexemo quieto'. Falta de respeito comigo comerciante promissor dos Campos Gerais...". Sobretodos, a continuação de sua oratória se designava a procurar a compreensão do líder da tropa, mas, os olhares de tropeiro a tropeiro rodeavam a localidade procurando motivo para tanto alvoroço.

domingo, 11 de abril de 2010

O desconhecido.

O que saia da boca dos tropeiros, hoje é lenda, floclore, antigas crendices que fazem hoje parte do bucólico rodeio da nossa cultura. É interessante ver a forma como essas histórias são contadas hoje, como domesticamos nas escolas o brutal, os assassinatos cometidos em nome daqueles seres míticos, as crianças penduram num varalzinho de cordel cartazes do saci-pererê, mula-sem-cabeça, lobisomem...

O controvérsio é curioso, mas no passado esses reflexos de sabedoria popular eram o que não faziam muita gente dormir a noite. Uma ciência sintética que ocupava a vida de camponeses e que contrapunha o meio deles com meio industrial e urbano. Especulações do desconhecido, ruídos de roedores, pios de corujas, qualquer coisa já eram motivo para aquela roda de chimarrão ficar atenta em volta do fogo. Essas histórias aqui contadas não são apenas o relato do desconhecido, mas são também o encontro da civilização com esse desconhecido.

Selvageria

1815
O oeste da província era somente sertão...
Uma ilha de civilização se encontrava em Guarapuava.
Diziam nos rincões habitados que havia uma total desocupação dos campos à frente, ainda assim, todos ouviam da boca dos tropeiros os mitos que cobriam aqueles campos. "Selvagens beirando a nossa civilização", apesar de as pessoas não viverem muito diferente daquilo, assim relatavam as Histórias contidas no oeste indígena. Oeste indígena sim, mas os relatos dos livros procuram tratar de outra forma. Parece que quando reproduzimos qualquer espaço como decorrente de total vazio demográfico, de um local sem habitantes, procuramos omitir a verdadeira selvageria ocorrida ali, a matança. Acobertamos, somos cúmplices dessas ocorrências e criamos a verdadeira mitificação da História do Paraná. Sobre o sangue dos povos originários, discretamente pisamos e escrevemos essa História. Relatamos os fatos com o linguajar ordeiro do progresso, fazendo justiça aos sobreviventes procuramos esquecer os que não ficaram de forma a registrar um território pacífico.

sábado, 10 de abril de 2010

A bodega

Embaixo dos pinheirais, uma bodega, ficava num redivu coberta de um palmeiral. Dependurado nas varas salames podres. Na pia, um vinho azedo. No balcão, pingas ao lado de copos grossos de poeira. No fundo de braços cruzados atrás do tabuão do balcão, um olho com catarata, o outro bem arregalado, sentado sobre uma cadeira de estopa, uma perna perfeita, a outra podre de gangrena amputada ao meio. Aquele cotoco com pelanca repuxada, um feixe mal costurado rodeado de um mosquedo zunindo em volta daquela ferida cicatrizada. Zébedeu, o dono da bodega.

resumos.


A oeste somente sertão. E esse foram os destinos das tropas da civilização. "Um encontro com o nada", era assim relatado o diário dos cavaleiros. Nenhuma construção suntuosa pairava os horizontes, somente o que vingava às alturas eram as araucárias. Ao chão das campinas térreas e plainas. Caiam as pinhas no início daquele outono. Uma meia dúzia de caboclos rodeava aquelas regiões, sempre acoados pareciam habituados com a vida nos matos. O gado pastava, os porcos eram tratados livremente devorando o que viam no chão, pinhão, verduras, moringas e uma lavagem que era jogada. Não existiam chiqueirões, nem mangueiras.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

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Papéis amarelados, pessoas falando, música caipira na rádio AM, filmes do Mazzaroppi, fotografias rasgadas, carreiros no meio do mato... Ambientes cruzados, fontes cruzadas, criando a História. Relatos, elementos da memória, conspiram e recriam a História como uma peça de teatro, o teatro da vida, encenando personagens no mesmo enredo, trajados, cada um assumindo seu papel e vivendo segundo tal. Pessoas diferentes de mim, de você leitor, mas que quando se encontram conosco procuram reafirmar ainda mais sua identidade. Serreiros, pistoleiros, carroceiros, bandidos, pedreiros, jagunços, padres, ladrões, policiais, nós-cegos, coronéis, vilões...

Também serei um desses personagens.
Historiador. É assim que definem aquele que aqui escreve. Mas ainda me refiro a outros fatos, aqueles não documentos, vividos mas nunca registrados. Abandonados no tempo, perante mim, não seriam nada se fosse cientista, se fosse mais um dos intelectuais arrogantes que frequentaram comigo os corredores daquela Universidade e se blindavam nos mitos por si criados, os mitos do cientificismo, do academicismo forma que deformava a sociedade e a condicionava sempre como passiva a suas teorias que os promulgavam como superiores a experiência social. Mas isso, aqui está apresentado de outra forma.

Viver a História. Em algum momento, andando pelas ruas,
especialmente por uma praça, pude obter a satisfação que somente o ócio pode nos oferecer. Era uma tarde de primavera, floriam as azaleias que se enroscavam em uma armação de metal, pardais bicavam os ladrilhos em busca de migalhas, senhores jogavam baralho sobre um tabuleiro entre dois bancos, os taxistas secavam seus carros esperando os clientes que não viriam, o Café estava fechado, o picolezeiro vendia sorvetes para as crianças no parquinho, era domingo. O sino da Matriz começava a badalar e o historiador que procurava estar ausente naquele momento percebia todo o imaginário bucólico de uma cidade de interior.

O descanso confortável num dos bancos da praça foi interrompido. Um nome célebre talhado abaixo da representação de uma figura humana se apresenta naquele ambiente, um mito da História do Brasil aparecia entre os ipês roxos que floreavam naquela estação. Mais um, mais um entre todas as praças. Um centro urbano nada conturbado, um final de semana sem buzinaços ou desavenças entre os motoristas que por ali passavam. Um Largo que diferente dos espaços públicos em grandes cidades, não revelava sentimentos de medo com o mundo urbano. A vida urbana ali significava proteção, segurança, algo raro. Ao sul do sol poente, abaixo do Iguaçu se revelava mais uma cidade da região sudoeste do Paraná.

Entre método e escrita, todo processo de conhecimento se completa entre os olhos, a cabeça e o punho de quem escreve se tornam presente. Ler, e eis que a observação coloca a História além do papel, além dos documentos escritos, esse verbo transitivo direto proporciona a interpretação não somente do que é cômodo, mas também da realidade social; Escrever, o exercício que acaba materializando o vivido em caracteres, em linguagem, é sobretudo o desafio do autor em se demonstrar enquanto sujeito, sua imaginação acaba exibindo seus significados.


. E eis que esse nosso personagem citado é fatídico para essa data. O dia da semana constava que era sexta-feira, Sexta-feira Santa da paxão, pra ser mais preciso. Nada de trabaio na cerraria, nada de lavoro na horta nem nas prantação, a rua deserta, só tinha movimiento quando passava as muié cum véu preto pra ir na vigília da capelinha de madeira na ilha de selvagem de Bella Vista de Palmas, em volta dela não se via muita coisa, se oiássemos pô chão era só um barral resultante de uma semana de chuvas fora de época, nada a vê chovê naqueles tempo, parecia coisa incomendada do cão.

E as strada virava nisso, barro sobre barro, carroça nem pensar, cavalo era capaiz de atolá nas valeta.


um sítio cercado em Lageado Guedes, Palmas-PR, 15 de março de 1964.

O papel amarelado não revelava dia, mas não tinha como omitir mês e ano. Ao fundo da cômoda Provençal em cedro inglês, encontro um caderno, tipo uma agenda, pra ser mais preciso, uma agenda de traballho da Cerraria que era comandada pelo falecido pai que pouco hoje me recordo, aliás pra ser ainda mais exato, mais sincero pouco sei dele, de resto porque nunca me interessei em saber. Saber, saber, o que não sei era o motivo pelo qual tocava aquela capa dura com letras talhadas que diziam "SERRARIA BONIFFÁCIO". Devem ter sido cortadas dedo a dedo com uma faca de briga, uma que vivia na cinta da bombacha que o velho usava para ir nos bailes sem ela, dependurada num cabide ao lado da cama de casal de minha mãe. A velha havia lá deixado do jeito que o seu homem deixou.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

fragmentos.

"A manhã vitoriosa, assim relato o fim daquela madrugada revoltosa. Raiava o dia no sertão paranaense, o sol se mirava entre as nuvens que a noite toda choveram e entre as araucárias em pé, algumas destoavam já denunciando o desmatamento e a derrubada praticada pelas serrarias vindas de Palmas. Em contrabalanço com a subida dos serreiros, nos cantos de uma picada que seguia para o morro do macaco se podia ver um rio de sangue que coagulava entre o barro. O saldo era esse, a batalha havia sido vencida por Ermelino Gutierrez Leãos, coronéis escrevem assim a História dos vencedores. E só podem escrever com linhas de sangue, tinta rubra usada dos cadáveres onde pássaros negros pousavam, esse era o luto daquele funeral a céu aberto. Mais uma História daquele sertão esquecido por tudo que há de Brasil leste-afora. Diziam que ali era o inferno, prefiro deifinir de outra forma: Fim de mundo".
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"Era interessante observar atentamente tal paisagem. As balas ricocheteavam entre os pinheiros que exalavam um odor parente do eucalipto. A primavera parecia não florescer algo semelhante a vida, os corpos caiam entre o campo, enquanto os bois fugiam para outras pastagens. A natureza se encontrava com o homem, quem tinha pernas dele fugia, o sangue cubria o verde, a morte cubria a vida com seu manto fúnebre. Um detalhe, permaneciam alguns, retiravam-se outros. Mas o mais interessante era o seu Zébedeu que dentro da patente cagava a vontade escutando o zunido das balas na propriedade vizinha ".
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"Vinha uma carroça lá do fundo, costeava o sol e o canto da estrada recém-cascalhada. A atenção de todos se colocava naquele horizonte, naquela peça de três tábuas amontoada de moscas. Era a carroça da carne vinda de União da Vitória. Parou na frente da praça pra fazer um verdadeiro despacho da sobra. Era o que havia restado, era o que havia ficado. Ossos que pareciam meio roídos se misturavam ao mocotó, uma carne bem mal-charqueada, mal-temperada e por isso podre, roxa, rodeada de larvas. Mas praquele povo parecia não fazer diferença, pois possivelmente muitos ali nunca tinham visto carne, por isso não se importavam nem com odor nem com aparência. Foi o dia em que fui convidado por 2 de cada 3 vizinhos pra comer uma sopa de brodo na casa de cada um. Me satifiz com um sanguique de salame".
(Clevelândia-PR, relatos de um jornalista vindo da capital da província, entre os dias 14 e 30-04-1901)

sexta-feira, 2 de abril de 2010

...diários do fim de mundo.



O título, se é nossa denúncia a História fica desinteressante, se é sua dúvida ela é sua cobiça, atiçamos sua curiosidade com um frase inicial que faz você leitor se questionar o que vem pela frente.

Mas então as novidades não são mais esperadas.
Todo mundo hoje se refere a certas localidades de tal forma "era um fim de mundo, tchê", "noss, lá n'aquele fim de mundo". Mas nosso ponto de referência aqui não era somente tratado assim. Ela carrega consigo um dos espectros de renegação bíblicos"lááá onde Judá perdio as botas"...
Um gravador italiano, portátil (para a época), me faz companhia. Solitário? Um homem que busca a História não se consome pela solidão durante muito tempo, o mundo dos vivos se liga então ao mundo dos mortos e o Hoje se torna constituído pelo Ontem, não como o encontro de Alfa e Ômega, de A e Z, pois é possível que nessa linha do tempo estejamos ainda no meio de qualquer alfabeto. A casa era humilde, o coração era humildade, factual foi aquele encontro, como qualquer outro, passado e presente. De um lado: Sapato italiano, Palitó liso, Gravata; Do outro: Chinelo de dedo, bolso furado, camisa nada abotoada. Velho e novo se encontram,
quando a fita começa a rodar tudo que foi perdido se encontra como um nó entre dois bartantes...
Uma cadeira furada, mal estofada de palha me é oferecida e diante de mim mais um personagem da minha História... aquilo que não havia vivido, poderia aqui escrever. Pois que vejo aí duas formas de História, vivida e escrita. A minha primeira lição naquele momento não foi quem foi o pioneiro da cidade ou o primeiro prefeito ou o maior bugreiro matador de índios da região, mas sim, que havia uma História que ainda não fora contada. O desafio.

87 anos, Analfabeto, viúvo, dois filhos.
Depoimento de Nhô Virgílio,
Clevelândia, 16 de março de 1964.
Poderia continuar descrevendo aquele homem em couro e osso, apenas dois dentes na boca... Poderia tentar contar o número de rugas que corriam naquele rosto amorenado, tanto do sol quanto da raça: Caboclo. Tá poderia dizer etnia, afim de agradar qualquer antropólogo. Entretanto, cito aqui enquanto raça pois é dessa forma que o povo aqui se trata - e se vocês acham que eles são ignorantes por serem pouco científicos, pois bem, me incluam no mesmo grupo.
Virgílio descrevia palmo a palmo o cotidiano da vida na serraria no ano de 1900. Sentia aquele momento como um retorno, como uma pessoa se rejuvenecendo a minha frente, rememorando o esquecido, demolindo prédios e colocando em seu lugar palhoças, um vazio urbano cercado de carroças, nada de caminhões e carros... O chimarrão era oferecido naquela soleira de madeira duma casa caindo os pedaços, uma das frestas do lado da janela possibilitava que o gato ali atravessasse sem precisar passar pela porta. A moradia, assim como a vida era algo marcado pelo tempo ...

"Portanto, não tamo prosiando de qualqué feita em qualqué lugá...
E óia que pra sei-exato é capaiz desse tar de Judá ter passado praqui e tê feito arrrguma barbariedade das dele presses lado do Paranazão. Piazão do céo, cada coisa, o dia que cheguei em Parmas não dá pá esquece. Priguntei pum caboco: 'onde que é Bella Vista (antiga Clevelândia)?', o caboco rispundeu: 'é pra lááá onde Judá perdio as bota', e aponto. Quando ele falo aquilo, imaginei que ia tê que andá um par de metro, tipo uns 30 quiômetro a pé, pense só, eu morto, acabado de chegá de Antoninha".

(...)

"Nããã, o trabaio era cumpricado pra nóis, ocê não guentava nem a pau. As carroçona de pinheiro chegava, nóis tinha que descarrega, descasca os pinhero. Um de 30 metro, tu tinha que corta em umas 6 parte, dai pense... Depois disso, tinha que pega cada parte e fazê as madera pras casa. E tudo isso cuma serra que não facilitava muito quando tava mar-afiada, nóis chorava de tanto trabaiá, minhas arma do céu. Tinha um chefe que comia pão com salame e via nóis às veiz fica o dia sem café, armoço, um dia ele foi num miaral ali perto do colégio aqui embaxo, foi o suficiente pra mim ih lá comê um metade do sanguique e joga otra parte pos cachorro. Voltei po serviço dando um migué, o home fazia os cachorro voá piazão, era um italiano, era só 'pooorco dio, guaipeca fiadaputa, que cazzo'. Eu e os piá se matava de ri, ele começo a me oia desconfiado, a partir daquele dia não farto armoço".

(...)

.
E eis que esse nosso personagem citado é fatídico para essa data. O dia da semana constava que era sexta-feira, Sexta-feira Santa da paxão, pra ser mais preciso. Nada de trabaio na cerraria, nada de lavoro na horta nem nas prantação, a rua deserta, só tinha movimiento quando passava as muié cum véu preto pra ir na vigília da capelinha de madeira na ilha de selvagem de Bella Vista de Palmas, em volta dela não se via muita coisa, se oiássemos pô chão era só um barral resultante de uma semana de chuvas fora de época, nada a vê chovê naqueles tempo, parecia coisa incomendada do cão.
E as strada virava nisso, barro sobre barro, carroça nem pensar, cavalo era capaiz de atolá nas valeta.


um sítio cercado em Lageado Guedes, Palmas-PR, 15 de março de 1964.

O papel amarelado não revelava dia, mas não tinha como omitir mês e ano. Ao fundo da cômoda Provençal em cedro inglês, encontro um caderno, tipo uma agenda, pra ser mais preciso, uma agenda de traballho da Cerraria que era comandada pelo falecido pai que pouco hoje me recordo, aliás pra ser ainda mais exato, mais sincero pouco sei dele, de resto porque nunca me interessei em saber. Saber, saber, o que não sei era o motivo pelo qual tocava aquela capa dura com letras talhadas que diziam "SERRARIA BONIFFÁCIO". Devem ter sido cortadas dedo a dedo com uma faca de briga, uma que vivia na cinta da bombacha que o velho usava para ir nos bailes sem ela, dependurada num cabide ao lado da cama de casal de minha mãe. A velha havia lá deixado do jeito que o seu homem deixou.

Linha a linha, o traço escrachado, mal feito, quase indecifrável, escrito pela mão calejada daquele velho nem se assemelhava a um caderno meu de faculdade. Um dos dias não registrava contas, não tinha números... só havia ali um texto redigido, deboxando e ironizando o cotidiano da cidade. A emoção foi ainda maior e nem eu sabia porque, os garranchos me faziam

contava um pouco do cotidiano daquela cidade, mas não era o suficiente, a não ser para atiçar minha curiosidade e procurar saber um pouco mais dos ocorridos entre os campos e matas que se escondem no nosso amado, hospitaleiro e progressista Estado. O gravador italiano Geloso (1952) do falecido pai tem serventia para esse empenho,




relato de Nhô Virgílio
abril, 1900.




uma Herança...
Tranqueiras, velharias, indefiníveis para mim naquele instante. Falecia minha mãe. A velha morta da geada e sepultada ontem no campo sagrado municipal havia me deixado um rancho de 2 alqueires e meio, nada muito útil para um economista graduado na Federal do Paraná e recém-ingressante na bolsa de São Paulo. A prosperidade da soja me fazia promissor, ontem minha chegada era esperada na capela, o ônibus quase tomba num buraco da rua onde passei minha infância, nem lembro de nada agora somente penso em voltar, nem sei porque vim, a não pelo fato de ser o único filho vivo, aquela condição naquele banco duro me irritou tanto que me traumatizei e por isso decidi passar mais uma noite no rancho