sábado, 29 de outubro de 2011

O Apocalipse do Sertão - Primeira Porteira: O sertão abandonado (Diário de bordo - primeira parte)


29 de outubro de 2011 - proximidades do rio Forquilha, entre Renascença e Vitorino...


 "Slow ride, take it easy" (Foghat)

Perto do dia do HALLOWEEN, do dia de todos os santos e dos finados, de um lado a outro da pista o sertão era companhia desta tarde. Os primeiros pingos de chuva começavam a cair na estrada selvagem, procuro um lugar para me abrigar e tirar uma pestana, até que me aparece um parque de diversões abandonado no coração do sertão do Paraná.



"Atávico surungo de chão batido
Xucrismo curtido na tarca do tempo
Refaz invernadas de ânsias perdidas
E encilha a vida no lombo do vento"
(Os Serranos)


Dizem que o último baile foi Drurys
As trepadeiras sobem sobre o ginásio de dança
Em todos os anos de andarilho, de magrela e de moto, nunca havia achado um lugar como aquele. A moto ia derrapando entre o barro e o mato na estrada além da porteira do CTG: Renascendo a Tradição. Abandonado se tornava um espetáculo do silêncio apenas rompido pelo assoviar dos gaviões e o ronco da moto: ÁGUIA NEGRA DO SERTÃO...


Garrafas quebradas, banheiros detonados, as trepadeiras sobre o ginásio de dança me sentia um caubói psicodélico vendo a vitória de uma aliada sobre nós.

A pista de gineteadas, o pavilhão e a capela imóvel... Num suspiro profundo vivo dentro de mim cada ginete dado no lombo dos bois chucros, sinto o sabor da cerveja gelada sendo servida, cada chula disputada entre as varas do salão Até tudo ser interrompido por um tiro, a morte é o fim do bailão...




O último gole...
Entre os valores, a honra e a moral, construções sendo comidas pelo matagal, a natureza toma forma e faz delas meros espetáculos da decadência da aculturação gaúcha na região. Sabemos que apesar de cultuar valores, alguns setores da cultura gaúcha tentaram impregnar o machismo, o conservadorismo e o paternalismo naqueles homens mais chucros que os cavalos que eles montavam.


Valores despedaçados pela atual fase do consumo, ao invés daquele CTG seguir seu lema e renascer, ele está caindo perante o capitalismo, agonizando, morrendo aos poucos pela pós-modernidade do sertão.


De resto são somente fotografias, registros da atual fase de um Apocalipse cultural no sertão do Paraná dominado por anjos e demônios, guris sem amor que só pensar em "foder" e gurias consumistas observando qual é o último lançamento de celular ou que roupa está na moda...

Foi nesse tiroteio do passado com o presente que fui interrompido pelo horizonte que se abria...


"Riders on the storm
Into this house we're born
Into this world we're thrown
Like a dog without a bone
An actor out alone"
(The Doors)


Mãos no guidão, desviando os caminhões que jogavam água para todos os lados, fui espectador de um verdadeiro Apocalipse do sertão sendo anunciado e orquestrado por trombetas, raios e relâmpagos numa intensa batalha entre Deus e o diabo acontecida no céu... Passando pela comunidade do Anjo da Guarda olhei bem dentro dos olhos do Cristo pregado na cruz e agradeci por todo aquele espetáculo ter sido preparado pra mim.

"Prá ser jesus numa moto,
Che guevara dos acostamentos,
Bob dylan numa antiga foto,
Cassius clay antes dos tratamentos,
John lennon de outras estradas,
Easy rider, dúvida e eclipse,
São tomé das letras apagadas,
E arcanjo gabriel sem apocalipse
" (Sá, Rodrix e Guarabira).

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

O Dicionário do Sertão do Paraná.

por Leandro Czerniaski, o Porteiro de Zona e Roberto Pocai.

Alemoa: loura


Apinchá: jogar


Atorá: cortar


Baita: grande


Bandiar: Ir a algum lugar



Bodiar: descansar, dormir



Bostiá: incomodar


Briquiá: trocar, de mano ou não


Camassada de pau: apanhar


Campiá: procurar


Catrefa: pessoas que não valem nada


Chumaço: conjunto de alguma coisa


Cóça de laço: apanhar, levar uma surra


De vereda: rápido


De revesgueio: de um tal jeito


Diabaria: confusão



Esgualepado: cansado



Estrupiado: Machucado



Fincá: 1. cravar, 2. fazer (por exemplo: "vamô se fincá nisso aí agora)


Fuque: fusca


Garrão: calcanhar


Gole: bebida


Gorpeaço: embriaguez



Incebando: enrolando, fazendo cera


Ingrupi: enganar


Inôzá: amarrar


Intertê: fazer passar o tempo com algo


Inticá: provocar


Intuiado: cheio


Invaretado: nervoso


Japona: jaqueta de nylon


Jóssa: coisa


Judiá: mal tratar


Jumbrelo: pênis



Kakedo: pessoa que não vale nada


Lagartiá: deitar no sol



Lazarento: xingamento


Lograr: 1.enganar 2.se dar bem em um negócio em cima de outra pessoa



Luitá: brigar


Malinducado: mal educado


Mio: milho



Negócio porco: negócio mal-feito onde alguém sai em desvantagem



Oreia-seca: Pessoa sem muito poder, que não convence ninguém, pobre coitado



Paiêro: fumo de palha


Pânca: modo de se portar, por exemplo: panca de motoqueiro (jeito de motoqueiro)

Peral: 1.trajeto ingrime  2.descida


Pereba: doença



Pescociá: olhar para os lados, matar tempo


Pestiado: com alguma doença


Pexada: acidente


Piá pançudo: guri bobo


Podá: ultrapassar, o mesmo que apodá


Potiéca: Meleca



Pozá: dormir em algum lugar


Pruziá: conversar


Quebrá: se dar mal, por exemplo: o gringo lá se quebrô.



Rancho: compra do mês


Relampejando: trovejando


Resbalão: escorregar


Rinso: sabão em pó


Sertão: mato fechado, sem colonização


Sinalêra: semáforo


Táio: corte


Tchuco: bêbado


Trupicá: tropeçar


Tunda de laço: apanhar


Vortiada: passeio


Xana: vagina



Ximia: doce de passar no pão

Xucro: violento, mal-educado

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

O caminho das pedras no Sertão do Paraná


Sob a luz da lua mesmo com sol claro, no asfalto quente ou nesse caminho das pedras, pra fugir da chuva e ver o olho do céu se abrir, adubando o solo com o que está morto pra ver o que é vivo nascer. Lembro o quanto acreditávamos ser obrigados a viver em cemitérios, entre pessoas mortas que querem nos corroer com sua ferrugem e as mentiras que inventam... Corria contra o tempo, agora estou a favor dele, agora sonho com histórias de gnomos e pescadores sem cabeça em volta de um fogão de lenha, abri um orifício além daquela cela de prédios e construções, agora vago entre caminhões me jogando fumaça e imensas colheitadeiras me atirando barro no rosto, desviando galizés, porcos chucros e cavalos selvagens na estrada. Sou o equilíbrio e a força que guiam meus olhos como um farol no infinito das rodovias. Sei que a morte continuará me perseguindo mas estou dois passos a frente dela!
(Itapejara d'Oeste, caminho das pedras, 16 de outubro de 2011).

sábado, 15 de outubro de 2011

Os Leite contra os Bento: O pau comeu solto em Campo-Êre (parte I)


“Sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias. Deus, mesmo, se vier, que venha armado.

Não é a terra que define o sertão, mas o sangue que pinga sobre ela
Conceituar o que seria o sertão se tornaria uma tarefa árdua, porém, procurada por alguns intelectuais como Guimarães Rosa que em 1956 soube expressar com sábias palavras o que é esse pedaço de terra.

Mas a mais firmante definição se dá por Euclides da Cunha que ao invés de definir o que é o sertão preferiu usar a expressão "sertões".

É nessa pluralidade que o sertão ultrapassa fronteiras, nenhuma região pode deter pra si a exclusividade do título de sertão. O sertão sangrento, de tantas Histórias que não são minhas, são de todos, ultrapassa os conflitos entre coronéis e cangaceiros do nordeste brasileiro, vai além das incursões dos bandeirantes em Minas Gerais e voa raso por cima do sossego dos caipiras paulistas chegando ao rincão do sudoeste do Paraná...

1980-1990
E um pouco além dos limites do estado paranaense, no município de Campo-Erê-SC as plantações de milho estavam altas para a colheita. Formada, como todo sertão, por famílias caboclas e de gringos, a sede Campo-Erê via acontecer no pavilhão da igreja os maiores bailões da região.
"Se foi tiro ou cimbronaço, pago pra ver
Deixa que venha no braço pra se entender
Se o facão marca o compasso, deixa correr
Enquanto sobrar um pedaço vamo metê"

(trecho de Baile de Fronteira de Luiz Carlos Borges)

De 30 a 70 cm, fura-buxo de qualqer loco
Chegava no baile 7 'home', todos com a cara que era 'perau' de brabo. Minutos antes estavam no matão de atrás da Igreja escondendo num taquaral 7 facões pra depois do baile:

-Vamo se fincá pro baile, os Leite vão tá lá e o bicho vai pegá pra eles - disse Sebastião Bento, filho mais velho de 6.

- Nego Gato, agora que tu saiu do cadeião, vamo te vingá com o bucho daquele "amardiçoado" vai escorre pelo chão do baile - disse 'véio' Arcides, patriarca que gerou os 6.

Alcides, o Bom. Patriarca dos Bento.
O piazinho da turma, Maurinho, 14 ano, da turma olha de longe uma mocinha que ele poderia "tentiar" (conquistar). Uma, loirinha e magrinha é filha do véio Reco, gringo, era uma onça de brabo e esperto que nem raposa. Logo leva um surdão na orelha de seu irmão Nego Tive:

- Ocê tá aqui pra vingá teu mano rapaiz! Não tá aqui pra tentiá muié, ela é boa má dexe pra depois!

Os olhos úmidos de choro do rapaz fitavam os cabelos louros de sua amada que conhecia da escolinha, enquanto era distanciado dela puxado pelo braço até o balcão onde lhe foi servido um gole de cachaça.

Do outro lado, o sangue também fervia. Os Leite, em 7 também, enxergavam de longe e cochichavam formulando uma estratégia de batalha pra pegarem os 7 negos numa avoada.

Isso tudo foi nos primeiros 5 minutos de baile, o conjunto começa uma vanera e Nego Saci, 18 anos, o mais novo dos Leite, dá um pulo de cima do palco puxando de dentro das cueca uma adaga enquanto o chefe da família Nego Tiziu cai pro meio do pavilhão gritando um urro selvagem que parece ter interrompido o baile todo. Era a ordem de batalha!

A peleia não era só entre as famílias, os seguranças tinham de ser os primeiros a ser rendidos. Ambas as famílias deveriam "erguem no laço" o borracheiro Gumercindo, o peão Valdinei, o mecânico Zaquel e o ministro da igreja João Taborda. 

Mas não foi um minuto todos aqueles que deveriam proteger o baile estavam no chão, nenhum gringo brigava como aqueles que possuíam 4.000 anos de lutas tribais no seu sangue. Descendentes de indígenas que brigavam com quem fosse e pelo que fosse.

E não era somente as duas famílias que iam entrar pro pau naquela noite. Só nesses primeiros momentos, 17 brigas já aconteciam em todo pavilhão. Uns se soqueavam por mulher, outros por bebida, outros por time de futebol... Os motivos eram infindáveis.

Do lado do conjunto tocando, assistia a tudo o maior fazendeiro de Campo-Erê: Laurindo (o sobrenome não posso citar) que ria juntamente com o véio Reco.
Os Bento estavam em total desvantagem já que os Leite estavam armados com pexeiras prontos pra faquear Deus e o mundo naquele rodeio de pau! Conseguiram entrar pois o ministro Taborda não revistou os 7, por que? Tudo a mando do coronel Laurindo...

Enquanto isso, Maurinho voltava pra dentro do baile com os 7 facões jogando-os para seus irmãos que estavam na frente do conjunto que continuava uma vanera.

O baile mesmo não parava, no meio do fudunço, os casais iam bailando escorregando no sangue derramado no chão que logo empossava também de barro, cachaça e suor...

O pau ainda ia comer solto praquelas hora!
_________________________________________________________CONTINUA!

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Sangue, suor e cachaça: A bodega do Nêne e o tesão do sertão (parte 2).



Logo naquela bodega, um parente distante do índio Condá havia chegado. Vindo de Chapecó-SC, era um charruá, tipo um índio adaptado a vida do branco, caçador e comerciante do mato que ia de cidade em cidade vendendo o que pegava no mato. Só que o charruá Viriato de uns anos pra cá estava convertido em um verdadeiro pirata do sertão, amarrado no seu cavalo baio e pegando chuva tinha um guri de 8 anos de idade.


O piá já tava todo cagado, virado em merda. Mas foi dentro da bodega que deu a bosta, logo o charruá Viriato que diziam ser "índio civilizado" mostrou que não honrava seu adjetivo. O cara tava como dizem "peidando de bêbado"  foi puxa pelo braço Marilu, que estava no colo de Araújo:

-Ocê deve de ter perdido o amor pela vida - falou Araújo, que logo ordenou seus 2 capangas a amarrar Viriato.


Esse por sua vez já tirou um facão que diziam que cortava até poste de luz, mesmo que esses não existissem na época. Fincou no braço de um deles, dando um voadora no outro e logo apoiando a outra perna no pescoço do outro deu um salto mortal e caindo de pé e sobreolhando ambos por debaixo da aba do seu chapéu. Araújo gritava!


Marilu fugiu gritando lá pra trás onde tinha um tanque e onde estava Ianara e o tropeiro Nego Jundiá, ou seja, ali o pau tava comendo também...


Sei dizer que só pararam Viriato com 7 tiros, um em cada xacra do seu corpo. O último tiro atingiu da sua espinha passando pelo "toba" até explodir seu saco. "Mááá home, fiz os bago do peão voar pra fora da bodega", dizia Nêne, autor dos disparos.


A festança na bodega correu solta, logo chegaram dois gaiteiros, Araújo jogava carteado com seus dois capangas e um ervateiro fumando um paieiro de meio metro daqueles que dava pra ir de Viamão-RS a Sorocaba-SP fumando o mesmo.


Esse pairento que se considerava liso no carteado era o véio Tadeu, um verdadeiro malandro de barraca, apaixonado pela buxuda gordaça Hermelina. Só que essa não lhe dava moral, metido a poeta declamava versos para ela com adjetivos como "meu suculento toicinho", "meu torresminho crocante"... 

O pior que a bicha não dava o braço a torcer pelo peão. Nêne chamou Tadeu no balcão e lhe serviu uma jurubeba:


- Má home, ocê 18 fio (filhos), vem aí pra se putiar com essa loca aí home! Largô os piá trabalhando na erva-mate, fazendo contrabando e não larga um pila drento de casa, crie vergonha nessa cara home, tudo bem que a buxuda aí se mija de tesão por você, má vá fazê festa com a tua famía (família) - lhe aconselhava Nêne.

- Cara! Eu sou cristão! Dizimista fiel, ajudei a construir a Catedral de Palmas! Minha muié é honrada, com ela não rola cu nem putaria nenhuma. Já com a Hermelina eu como a vontade, chego de arranca fejão de atrás dela! - respondeu Tadeu fumando seu paieiro.




Por coincidência uma buxada estava sendo servida na bodega. Só que Araújo, já embriagado com o "pau que era um osso" como diziam, quis dar uma de machão na frente da mulherada:


- Má o que que é isso!? Tô pagando a festa e me servem merda de boi pra comê!?

- Mas cara! É o que tem pra hoje e esse nem to te cobrando, salame, filé, charque, acabou tudo no sertão - retrucou Nêne.


- Mas ninguém aqui vai comer merda, eu trato bem meus funcionário e os meus buxo por isso não meto neles buxo dos otros, mas os teu já vão com arroz! - falou isso, sacando seu 38 e detonando a panela de barro onde estava a buxada.


Hermelina logo saiu pra fora pra junto de Jundiá que estava desossando Marilu - a amante de Araújo. A História tava pra feder muito mais do que aquele buxo explodido por toda bodega.

Nêne se cagou de medo e baixou a guarda pra Araújo que logo lhe deu uma coronhada com o revólver dizendo:

- Tá perdoado, ma saiba seu merda que quem manda nesse sertão, nesses matão esquecido por Deus, SOU EU! E por falar em comer cadê a china que estava aqui no meu colo (Marilu).


Aí que o negócio derreteu. Foi de atrás da bodega que sua ilusão foi desfeita, o "baita serpelo", como contam, de Jundiá se atravessava pra "drento" de Marilu enquanto essa gritava de prazer. E foi assim que ambos morreram, na melhor situação que um ser humano pode estar.


Araújo viu cair sua amante com correntinhas, pulseiras e o vestido que ele havia lhe presenteado além de uns 1.000 réis que ela havia lhe furtado e que estavam dentro do seu sutiã.


Mas a catuaba que o bicho tinha tomado já tinha "fazido" efeito! Não tinha como segura, com o "jumbrelo" já pra fora da calça ele caiu em cima de Hermelina, mas logo foi interceptado por Tadeu:


- Nessa, tu não vai metê a mão!

- Então vamo vê - com o revólver esfumaçando apontou para Tadeu que logo que rebostiou tudo, mas ficou firme na sua posição.


- Atira seu merda, atira, que nenhuma mulher quer dar pra um cabra ladrão de terras que nem você, no máximo querem teu dinheiro, seu explorador pau no cu!


Araújo matou Tadeu e entrou pra dentro como se nada tivesse acontecido, dizendo: 


- Arrumá otro pra fazê dupra com eu (dupla comigo).


Hermelina viu seu amado morrer por amor, coisa que carregou em suas banhas e na sua memória até o fim de sua vida. Uma puta gorda que guardava consigo um amor fúnebre mas belo do amado que a defendeu... 

Fugiu com o cavalo do charruá e com o jovem guri que havia sido raptado pelo "índio civilizado" e agora iria viver numa zona com Hermelina. 

O olhar daquela criança antes inocente, agora conhecia o verdadeiro sabor do sertão, um sabor que palpitava no peito de qualquer "bicho macho" daquelas bandas e que possuía o gosto de suor, sangue e cachaça.