domingo, 28 de novembro de 2010

Sangue, suor e cachaça: A bodega do Nêne e o tesão do sertão (parte 1).

Bodega do Nenê ou Zona do Nêne (próximo do rio Veado, futura Mariópolis) 31/12/1899, 23:58.




"Dei um tiro pra matá esse 'oreia seca'", gritou Araújo após acertar um balaço no peito de Pirilampo Alves.

A chuva caia grossa. A minguada lua havia se camuflado no rodeio das nuvens. Naquela época, a zona era um lugar de lazer masculino alimentado pelo tesão, pela cachaça e pela pólvora dos revólveres dos "bicho macho" daquelas redondezas.

Se boleava um truco na bodega, Pirilampo Alves caçador do mato, havia ali parado pra saborear um trago, mas logo foi deitando a réstia no chão (morreu) pois havia 'bizoiado' e caguetado o Capitão Araújo roubando no carteado. 


Nêne - dono da bodega - não pensou duas vezes, queria faturar foi vendendo catuaba e trazendo o que ele chamava de "putedo" para aquela festa particular do ano novo.

Dona Dulce havia mandado para Nêne 3 das suas chinas conhecidas na localidade. A primeira, "Marilu", coxuda, pernuda, bunduda, pescoçuda e tinhosa. Acostumada a  receber dinheiro, joias e propostas de casamento, mas jamais se entregava, diziam que "não gostava de pinto", mas gostava de meter... meter a mão no bolso de grandes fazendeiros que caíam a seus pés como se caíssem na lama tipo cavalos chucros do Uruguai.

Junto dela estava a buxuda Hermelina, essa sem nome artístico, era uma das mais perigosas daqueles eitos, carregava consigo um calibre 22 "drento" da meia calça, não dava moral pra nenhum marmanjo daqueles capinchos. Acostumada a 'escorar nego' no 22, diz a lenda que tirou o cabaço de todos os piás de Palmas, gostava de dar pros escravos do deputado que não posso aqui falar o nome. Diziam que numa noite entraram 6 no seu quarto, depois mais 6, depois mais 6, quando o último se saciou era meia noite, lua cheia, tocava o sino da Catedral, ela estava morta de tanto "foder", ficou  com a respiração paralisada, sem reação e os olhos bem abertos, tipo como se tivesse enfartado... que nada, 13 minutos depois levantou, serviu-se de um vinho e foi dançar em frente aos violeiros argentinos que lá estavam.

A negra Lacraia, ex-escrava, gostava de apanhar, "dava no coro" e dava o couro da pele por uma boa transa, passava a semana inteira com a pele rasgada, nas feridas passava banha de porco pra cicatrizar.


1899, o ano que falecia e quando as encostas do rio Veado testemunharam a "peste branca", a última etnia descendente de Vitorino Condá foi infestada pela pneumonia. Trazido pelos brancos, que viviam doentes e emprestavam suas roupas aos índios.


Todos aqueles chamados "bugres" morreram, caindo mortos no antigo rio Kaimuã, agora rio Veado onde o coronézão anos depois num comício coçava os fundilhos e bradava pedindo votos: "Tenho orgulho de ter nascido na encosta do rio Veado!"

A tribo foi infestada pela doença porque os fazendeiros doavam roupas infestadas aos índios com um pretexto: para que esses não andassem com o "jumbrelo balançando por aí". A mulherada via os índios passando entre as capoeiras, logo saíam a janela pra ver a "geba cor de cuia".

O carteado continuava na bodega, regado a catuaba... Havia 7 homens na festa pra 3 mulheres, então você já sabe, o pau vai comê nessa História.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

O paradoxo do índio e do caboclo: Vitorino Condá, apaziguador e conflitante nos Campos de Palmas

É interessante frisar que apesar de uma rivalidade entre os fazendeiros que estavam obcecados pelas terras de Palmas não se evidenciou nenhum conflito armado entre os diversos personagens brancos dessa colonização. Mas já entre os indígenas, esses conflitos são frequentes e todos são procedentes ao consentimento dos chamados “homens bons”. Esses assumiram o papel de manter contato com os líderes indígenas, sendo que esses deveriam se unir ao processo colonial.

1839 - Início dos povoamentos de Pedro Siqueira Cortês em Palmas culminam na necessidade de construção de estradas que ligassem a pequenina e nascente vila com o Rio Grande do Sul. Necessita-se o apoio de indígenas para tal empreitada, aparece o vulto do líder indígena mais respeitado daquelas bandas, Vitorino Condá.

Toda essa união culminava na guerra com outras tribos, um verdadeiro conflito fratricida. Em todos os documentos se registra a participação dos diversos agrupamentos indígenas em torno da construção de estradas para a vinda de tropeiros, o alastramento dos rastros das picadas indígenas construía essas verdadeiras vias de comunicação com o interior do estado do Rio Grande do Sul.

Um personagem fundamental para a colonização dos Campos de Palmas foi Vitorino Condá, pai-bang (cacique) de toda a região, era frequentemente visto saindo dos verdes campos com diversas famílias indígenas para influenciar diretamente nas decisões da ocupação de todo atual sudoeste do Paraná, do oeste de Santa Catarina e do noroeste do Rio Grande do Sul1. Apesar do seu aspecto de liderança, os interesses dos indígenas não são relatados como decididos simplesmente pela autoridade de Condá. Tinha em seu apoio Viri, índio Kaingang que herdara intensos anos de estratégia militar indígena, se aliaram aos brancos ainda no Aldeamento Atalaia (1820).

1 Por volta da década de 1840, dois árbitros neutros foram convocados para resolver a questão, Dr. João da Silva Carrão e Joaquim José Pinto Bandeira. Houve uma separação das duas comunidades, Siqueira Cortes ficara no poente e Santos para o nascente. (WACHOWICZ, op. Cit.: 15).


A perpetuação da História. Nas imagens, uma estátua em homenagem ao Índio Condá em frente ao estádio Índio Condá em Chapecó. O time do Chapecoense possui uma torcida sempre presente no estádio com um grito coletivo: "Índiooooooo Condá". Abaixo a imagem de uma gestão da prefeitura da cidade de Vitorino, homenageando também o antigo líder indígena.

O que é um projeto antiacademicista distante da Universidade

Eu só quero uma História que fale sobre os picolezeiros, as prostitutas, os prisioneiros, os bandidos, os buraios(1), os banidos...

Uma História com o "pê" da puta-que-pariu e do "bê" da baile bão(2), uma História desses campos enxarcados de sangue; realista entre os explorados pelas madeireiras; entre os chamados "bugres"(3) sendo caçados pelos jagunços; da viril confluência de todas as raças; de heróis, mas também de vilões; de homens que mentiram pras suas mulheres, omitiram seus negros, renegaram suas crenças e estruparam suas filhas...

Como tudo aconteceu, e hei de acontecer no papel... Zé das cabocla, Nego Wardo, Vitorino Condá (o omitido da mídia pato-branquense),
Maria Rita Brandina de Almeida ("mulher" do Padre Ponciano)(4), Firmino Teixeira Baptista, o Coronel Vivida...

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1 - A expressão "nego do buraio" é presente nessa região, usada como gíria e apelido nos dias atuais e direcionado a pessoas que se "esfumaçaram". Os negos do buraio, em tempos antigos eram responsáveis por trabalhar em Olarias e carvoarias, fabricavam tijolos e carvão, se "esfumaciavam" e ainda viviam sob formas precárias de vida.
2 - para o baile ser bão existia uma estimativa quantitativa: "se não morresse trêis numa baile" o baile não era bão.
3 - usado normalmente para designar índios de forma genérica e ofensiva. A palavra bugre foi incorporada ao linguajar sudoestino, quando uma pessoa bebeu abusivamente outra pessoa diz: "ihhhhh aquele ali tá entregue pos bugre".
4 - Poucos discutem mas possivelmente essa expressão seja originada na cidade de Palmas. Segundo "o Catequista" temos de imaginar um bando de "mulheres a caça de homens, onde tem menos homens do que mulheres e um dos homens é um Padre, ou seja, ele não pode casar, é casto, etc.
Então, a medida que as mulheres forem chegando vão arrumando seus pares.
A última mulher que chegar só encontrará o Padre disponível, isto é, ela ficará sem par, uma vez que o Padre não pode casar, nem relacionar-se sexualmente". Não há evidência de relacionamento sexual por parte do padre Firmino com mulheres.