sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Mato ou morro: o curioso caso do sanguinolento eremita Gilmar Reolon

Por Leandro Czerniaski - correspondente dos barranco do Marrecas

No meio da floresta, uma barraca impovisada com lona e pedaços de pau. Assim como o fogão. Em roda, algumas frutas, milho verde, água em garrafas e a solidão – mal do século, segundo o poeta. O ambiente em que vivia o criminoso mais procurado do Sertão faz-nos perder na localização geográfica e temporal.

Bicho-do-mato do tempo antigo
exibe o tateto e a espingarda, daquelas
de socá pólvora (Foto: Júlio Oldin)
O caso lembra outros do tempo antigo, quando o mato do Sudoeste abrigava foragidos da justiça. Nesse tempo pré-colonização, muito bandido fora da lei fixou residência em qualquer tapera onde fosse possível viver pro gasto sem ser incomodado.

Nos idos de 1940 e tanto, um desses foragidos foi encontrado no mato e pelo seo Carlos Oliveira, que abriu as primeiras picadas de Pato Branco até a fronteira. E Carlinhos descreveu ao seo Jorge Baleeiro como o sujeito se mantinha dentre a floresta:

“Só de favo de mel tinha, numa gamela, bem uns dez. Era parte do alimento daquele caboclo. Dependurado, como se fosse um socol, uma banda de tatu e um pedaço de capivara moqueado. Era um verdadeiro homem-do-mato. A conversa toda girava em torno de caçada, disso e daquilo, principalmente de tateto. Falava também em onça rondando sua cabana. Às vezes mantinha um tateto amarrado numa corda. Quando desejava ter carne para mais tempo, salgava a caça e deixava secar”.

A mesma opção fez Reolon, mais de 60 anos depois. Não obtendo sucesso na tentativa de matar a sí próprio, depois de tirar a vida da família, optou por viver como foragido entre as árvores e o pouco que resta de animais. Virou um legítimo bicho-do-mato e incorporou o sertão – que é um jeito de ser, uma espécie de estado de espírito – vivendo longe das solicitações de jogos do Feiceibúque e dos palestrantes motivacionais. 

O bicho-do-mato do século XXI:
o sertão continua sendo esconderijo de
foragidos (Foto: Site Notícias Policiais)
Talvez pela carência de bichos na mata em que vivia, Reolon, na vanguarda do neocaboclismo, se viu obrigado a atacar nos potreiros vizinhos da sua grande macega e acrescentou mais 16 mortes à sua conta. Fiado que o bodegueiro marcou na caderneta, junto às outras seis de gente. E que foram devidamente cobradas na manhã desta sexta-feira. Agora, serão pagas pelo método judicial de acertar contas: o privando da liberdade.

A história desse “sanguinolento assassino” – como noticiaria a imprensa de antigamente, em letras garrafais – é um curioso caso de estudo antropológico, psiquiátrico e o diabo a quatro. Viveu três anos integrado à natureza, agora, pelo contrário, dormirá sobre o concreto. Mas, advertiria Guimarães Rosa, o sertão está em toda parte. 

"Sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte que o poder do lugar. Viver é muito perigoso"
Guimarães Rosa