sábado, 15 de outubro de 2011

Os Leite contra os Bento: O pau comeu solto em Campo-Êre (parte I)


“Sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias. Deus, mesmo, se vier, que venha armado.

Não é a terra que define o sertão, mas o sangue que pinga sobre ela
Conceituar o que seria o sertão se tornaria uma tarefa árdua, porém, procurada por alguns intelectuais como Guimarães Rosa que em 1956 soube expressar com sábias palavras o que é esse pedaço de terra.

Mas a mais firmante definição se dá por Euclides da Cunha que ao invés de definir o que é o sertão preferiu usar a expressão "sertões".

É nessa pluralidade que o sertão ultrapassa fronteiras, nenhuma região pode deter pra si a exclusividade do título de sertão. O sertão sangrento, de tantas Histórias que não são minhas, são de todos, ultrapassa os conflitos entre coronéis e cangaceiros do nordeste brasileiro, vai além das incursões dos bandeirantes em Minas Gerais e voa raso por cima do sossego dos caipiras paulistas chegando ao rincão do sudoeste do Paraná...

1980-1990
E um pouco além dos limites do estado paranaense, no município de Campo-Erê-SC as plantações de milho estavam altas para a colheita. Formada, como todo sertão, por famílias caboclas e de gringos, a sede Campo-Erê via acontecer no pavilhão da igreja os maiores bailões da região.
"Se foi tiro ou cimbronaço, pago pra ver
Deixa que venha no braço pra se entender
Se o facão marca o compasso, deixa correr
Enquanto sobrar um pedaço vamo metê"

(trecho de Baile de Fronteira de Luiz Carlos Borges)

De 30 a 70 cm, fura-buxo de qualqer loco
Chegava no baile 7 'home', todos com a cara que era 'perau' de brabo. Minutos antes estavam no matão de atrás da Igreja escondendo num taquaral 7 facões pra depois do baile:

-Vamo se fincá pro baile, os Leite vão tá lá e o bicho vai pegá pra eles - disse Sebastião Bento, filho mais velho de 6.

- Nego Gato, agora que tu saiu do cadeião, vamo te vingá com o bucho daquele "amardiçoado" vai escorre pelo chão do baile - disse 'véio' Arcides, patriarca que gerou os 6.

Alcides, o Bom. Patriarca dos Bento.
O piazinho da turma, Maurinho, 14 ano, da turma olha de longe uma mocinha que ele poderia "tentiar" (conquistar). Uma, loirinha e magrinha é filha do véio Reco, gringo, era uma onça de brabo e esperto que nem raposa. Logo leva um surdão na orelha de seu irmão Nego Tive:

- Ocê tá aqui pra vingá teu mano rapaiz! Não tá aqui pra tentiá muié, ela é boa má dexe pra depois!

Os olhos úmidos de choro do rapaz fitavam os cabelos louros de sua amada que conhecia da escolinha, enquanto era distanciado dela puxado pelo braço até o balcão onde lhe foi servido um gole de cachaça.

Do outro lado, o sangue também fervia. Os Leite, em 7 também, enxergavam de longe e cochichavam formulando uma estratégia de batalha pra pegarem os 7 negos numa avoada.

Isso tudo foi nos primeiros 5 minutos de baile, o conjunto começa uma vanera e Nego Saci, 18 anos, o mais novo dos Leite, dá um pulo de cima do palco puxando de dentro das cueca uma adaga enquanto o chefe da família Nego Tiziu cai pro meio do pavilhão gritando um urro selvagem que parece ter interrompido o baile todo. Era a ordem de batalha!

A peleia não era só entre as famílias, os seguranças tinham de ser os primeiros a ser rendidos. Ambas as famílias deveriam "erguem no laço" o borracheiro Gumercindo, o peão Valdinei, o mecânico Zaquel e o ministro da igreja João Taborda. 

Mas não foi um minuto todos aqueles que deveriam proteger o baile estavam no chão, nenhum gringo brigava como aqueles que possuíam 4.000 anos de lutas tribais no seu sangue. Descendentes de indígenas que brigavam com quem fosse e pelo que fosse.

E não era somente as duas famílias que iam entrar pro pau naquela noite. Só nesses primeiros momentos, 17 brigas já aconteciam em todo pavilhão. Uns se soqueavam por mulher, outros por bebida, outros por time de futebol... Os motivos eram infindáveis.

Do lado do conjunto tocando, assistia a tudo o maior fazendeiro de Campo-Erê: Laurindo (o sobrenome não posso citar) que ria juntamente com o véio Reco.
Os Bento estavam em total desvantagem já que os Leite estavam armados com pexeiras prontos pra faquear Deus e o mundo naquele rodeio de pau! Conseguiram entrar pois o ministro Taborda não revistou os 7, por que? Tudo a mando do coronel Laurindo...

Enquanto isso, Maurinho voltava pra dentro do baile com os 7 facões jogando-os para seus irmãos que estavam na frente do conjunto que continuava uma vanera.

O baile mesmo não parava, no meio do fudunço, os casais iam bailando escorregando no sangue derramado no chão que logo empossava também de barro, cachaça e suor...

O pau ainda ia comer solto praquelas hora!
_________________________________________________________CONTINUA!

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