quinta-feira, 23 de junho de 2011

O punk no sertão: Catarro - Crucificado pelo sistema

1991

Uma crise financeira assola o país, a revolta contida pelos caboclos e gringos da região se aflorou no semblante da juventude que surgia, uma nova geração nascida na fagutice da 'redemocratização' que se rebelava contra seu próprio berço ao som do ROCK PAULEIRA!

Foi naqueles vanerões de domingo a tarde que pintou um bicho véio estranho aos olhos que ali estavam, seu nome José Guilherme mas deram-lhe o apelido de Catarro. Morava num BNH, mais precisamente no Bairro Anchieta e já colecionava fitas K7 gravadas de bandas como RAMONES, SEX PISTOLS e THE CLASH do Punk underground dos Estados Unidos, Inglaterra até o dia que achou um disco de vinil dos Ratos de Porão.

Aí, a fúria doentia que se figurava em jaquetas de couro sujo compradas em brechós da Nega Véia perto do posto Guarani, em seus braceletes de espinhos, em sua orelha furada na Farmácia Brasil ou em seu moicano fajuto. Mas foi além quando se deparou com o sistema capitalista capitalista numa aula de História, decidiu aí descer as Escadaria dos Estudantes gritando FUCK THE SYSTEM!

Aos 16 descobriu uma galera que pensava parecido com ele, invadiam cemitério, fumavam cigarro nem que fosse paraguaio e a partir daí começou a ir mais extremamente no mundo da rebeldia, passou a beber pinga na esquina de um posto de gasolina. Mas não era um guri somente trash, certa vez sua mãe o mandou ir no antigo Tropical Especial quando se deparou com um punhado de playboyzinhos de Caloi 10 com bodoques atirando pedras nos passarinhos em bodoques comprados na Paraná Prrrástico, o muleque desceu o pau num deles enquanto os outros montavam nas bikes e "saíam vazado".

Um dia montou um carrinho de rolimã, descia aloprado as descidas do bairro e ia parar na BR-186 a 90 km/hora, desviando dos tiozinhos com terno de estopa e camisa varto mundo parava com aquele carrinho no barral de um potreiro do bairro Nova Esperança. Passou a gravar fitas K7 do Black Sabbath, The Doors, e a partir daí começou a comer as meninas mais estranhas da cidade, desde as mais roqueiras até as mais góticas, uma delas ele tirou o cabaço dentro do cemitério.

Entrou numa fase iluminada e começou a tocar sua gaita de boca na solidão dos bosques, entrou pruma banda até ir tocar num sarau num fudunço que rolava na Paróquia da Igreja, começaram tocando:

"Menstruada, menstruada,
mas mesmo assim eu vou traaansar"


Choveu cadeiradas no bailão que corria sorto e pra ninguém botá defeito, saindo da bailanta foram pegos pelos chamados "Neguinhos do Picomã" (um termo racista para designar o pessoal da Zona Sul), o pau correu solto no sertão como nos antigos bailes na fronteira. Pegaram uma piazada portando baseado, ninguém nunca mais os viu, enquanto uns broders de Catarro com feição de caboclos jogavam pedras de calçamento numa das únicas viaturas cidade... A rebeldia daqueles que mais foram prejudicados pelo sistema se revelava no estilhaçar de vidros do carro dos "porcos".

Dos punks todos esperavam os piores fiascos, ao lado de um poste Bolinha, uma guria punk gordinha e feia que ninguém queria comer mijava de bêbada sem parar se espirrando pelas pernas, batizada na Igreja, estudava no Colégio Nossa Senhora das Graças, o pai dizimista, a mãe participava de todas as novenas do bairro, dela ninguém esperava nada... Depois do belo sertão ter tido suas araucárias devastados, os índios tomando cachaça na rodoviária, as mortes nas brigas entre famílias.. depois de tudo isso, aquele mijo representava uma nova geração muito além dos gaudérios, um mijo tão sincero, tão consolador, tão PUNK.

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