Por Leandro Czerniaski - correspondente da beirada do Rio Marrecas.
Passado da meia noite. Tempo armado pra chuva, vento uivante e alguns
relâmpagos. No sítio de Nego Várdo, o gado se assusta e corre no potreiro. Seu
proprietário, bom entendedor dos assuntos relativos à chupacabrisse – e todas
suas artimanhas, corre buscar a cano duplo guardada no sótão, não esquece das
balas de cobre, atiça os cachorros e corre dentre uma macega na direção
contrária do gado.
Várdo vê os vultos dentre os pingos de chuva. A respiração acelera, o
passo diminui e os perdigueiros se intimidam e voltam. Sozinho, se posiciona
para o tiro certeiro no escuro; só ouve o mugir de uma de suas vacas e cai
desmaiado. É encontrado somente na manhã seguinte. Próximo dele, a carcaça de
um bovino pela metade.
A reconstituição acima foi feito a partir do relato do próprio Nego
Várdo, morador antigo da Linha Triton, um reduto gringo-polaquês no interior de
Francisco Beltrão onde, nos últimos meses, animais vêm sendo misteriosamente
atacados.
Nego Várdo exibe dois gansos encontrados mortos e esvaídos |
Já passaram de dez as vacas encontradas mortas nas redondezas, além de
gansos e porcos. Em todos os casos, uma semelhança: os animais foram atacados
pela traseira, tiveram o sangue esvaído e foram levados somente os órgãos.
“Tu acha que um hóme faz isso? É coisa daquele djãnho véio que vem comê
as criação da gente”, sentencia Várdo, ainda sujo de barro da noite anterior,
enquanto campeia a cano duplo que herdara de seu pai, junto com o conhecimento
aprofundado em chupa-cabras e similares.
Predador misterioso e de morfologia incomum, o chupa-cabra age na
calada da noite. Silencioso, agente de ataques insólitos, vitima pela sua
habilidade seletiva e intrigante capacidade de hipnotizar suas presas.
Descrente na ação da polícia, que já planeja uma força tarefa para
capturar o dito-cujo, Nego Várdo acusa ser Waldomiro Casagrande, latifundiário
bem sucedido, o tal do chupa-cabra. “Aquele desgranhento logrou tudo nóis, que
obrigou a gente a assiná uns documento que tinha que entregá as terra e agora
ele que atropelá nóis daqui assustando a gente”, denuncia Nego à nossa
reportagem, se referindo ao aval que o coronel dera para a aquisição de
sementes de milho safrinha, que carunchou todas as espigas.
De fato, coronel Casagrande possui todas as características necessárias
a um chupa-cabra que se transfigura em gente – baixa estatura, fala fina, a
pupila vermelha e pouco caráter. Mas nem por isso a versão oficial dos
acontecimentos diurnos e noturnos permitia tal afirmação.
Pela tarde, vários veículos de imprensa, curiosos e pseudo-ufólogos
estavam na propriedade colhendo informações e analisando a carcaça do animal. No
fim do dia, querendo se aproveitar da movimentação para reivindicar o que por
direito lhe pertencia e mesmo mancando da perna direita, até coronel Casagrande
apareceu por lá. Levou os documentos com o polegar de Nego Várdo em assinatura
e chegou fazendo alvoroço entre as autoridades.
Nego Várdo, diplomado na faculdade da astúcia cabocla, de vereda teve
uma dessas ideias que só um bom conhecedor de chupa-cabras seria capaz de
arquitetar. Aproveitou a presença do juiz e do prefeito na propriedade e
rebateu o coronel sugerindo que ali mesmo fosse resolvida a questão, num
julgamento em que se contraporiam as teses de um e de outro.
Plateia posta. O juiz sentou num toco de amburana em frente a casa,
Nego de um lado e o coronel de outro. Este, iniciando a sessão do júri, mostrou
a documentação que oficializava a negociação feita com o caboclo. Já era noite.
Em sua defesa, Nego Várdo disse que tais documentos não tinham validade, haja
vista as leis serem aplicáveis somente aos homens e ser o coronel um integrante
da espécie chupa-cabra e não humana. Depois, discorreu sua história, a relação
com o coronel e as provas (orais) de que o mesmo era o bicho ruim num discurso
de mais de duas horas.
Onze e meia de noite e coronel Casagrande se perde nas falas, sua sem
parar e olha para a lua – cheia. A plateia estava farta de tanto falatório, mas
Nego Várdo enrola um pouco mais e a cada pouco olha o relógio. Já era quase
meia noite e a cada minuto aumentava a agonia do coronel, que andava de um lado
ao outro mancando, provavelmente havia levado um tiro na noite anterior. “Eu
quero provas do que me acusas; por enquanto só falou que sou o chupa-cabra, mas
não provou nada”, dizia ao Nego Várdo.
A plateia, o juiz e o prefeito ficaram mais por gostar da história que
por acreditar no que dizia aquele caboclo. Onde já se viu, um homem ser o
chupa-cabra, pensavam. Às 11h59, lua reluzindo no céu e a palavra com Nego
Várdo, que conta os segundo para a meia noite no relógio e, no badalar do sino,
aponta para seu carrasco dizendo que todos verão a prova do que disse. Os olhos do coronel ficam mais vermelhos do
que comumente. Dos dedos surgem garras, dos dentes, presas e a roupa se rasga
enquanto crescem pelos por todo seu corpo. Urra tal qual um bicho selvagem e
sai em disparada dentre a mata, assustando a maioria dos presentes, que também
corre.
O juiz bate o martelo e sentencia ganho de causa para Nego Várdo.
Inspirado no recomendado livro “O Coronel e o Lobisomem”, de José Cândido de Carvalho.
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