quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

sertão news: O homem que desmascarou o chupa-cabra da Linha Triton

05 de dezembro de 2012, Plantão de última hora!!!

Por Leandro Czerniaski - correspondente da beirada do Rio Marrecas


Passado da meia noite. Tempo armado pra chuva, vento uivante e alguns relâmpagos. No sítio de Nego Várdo, o gado se assusta e corre no potreiro. Seu proprietário, bom entendedor dos assuntos relativos à chupacabrisse – e todas suas artimanhas, corre buscar a cano duplo guardada no sótão, não esquece das balas de cobre, atiça os cachorros e corre dentre uma macega na direção contrária do gado. 

Várdo vê os vultos dentre os pingos de chuva. A respiração acelera, o passo diminui e os perdigueiros se intimidam e voltam. Sozinho, se posiciona para o tiro certeiro no escuro; só ouve o mugir de uma de suas vacas e cai desmaiado. É encontrado somente na manhã seguinte. Próximo dele, a carcaça de um bovino pela metade.

A reconstituição acima foi feito a partir do relato do próprio Nego Várdo, morador antigo da Linha Triton, um reduto gringo-polaquês no interior de Francisco Beltrão onde, nos últimos meses, animais vêm sendo misteriosamente atacados.

Nego Várdo exibe dois gansos encontrados mortos e esvaídos 
Já passaram de dez as vacas encontradas mortas nas redondezas, além de gansos e porcos. Em todos os casos, uma semelhança: os animais foram atacados pela traseira, tiveram o sangue esvaído e foram levados somente os órgãos. 

“Tu acha que um hóme faz isso? É coisa daquele djãnho véio que vem comê as criação da gente”, sentencia Várdo, ainda sujo de barro da noite anterior, enquanto campeia a cano duplo que herdara de seu pai, junto com o conhecimento aprofundado em chupa-cabras e similares.

Predador misterioso e de morfologia incomum, o chupa-cabra age na calada da noite. Silencioso, agente de ataques insólitos, vitima pela sua habilidade seletiva e intrigante capacidade de hipnotizar suas presas.

Descrente na ação da polícia, que já planeja uma força tarefa para capturar o dito-cujo, Nego Várdo acusa ser Waldomiro Casagrande, latifundiário bem sucedido, o tal do chupa-cabra. “Aquele desgranhento logrou tudo nóis, que obrigou a gente a assiná uns documento que tinha que entregá as terra e agora ele que atropelá nóis daqui assustando a gente”, denuncia Nego à nossa reportagem, se referindo ao aval que o coronel dera para a aquisição de sementes de milho safrinha, que carunchou todas as espigas. 

De fato, coronel Casagrande possui todas as características necessárias a um chupa-cabra que se transfigura em gente – baixa estatura, fala fina, a pupila vermelha e pouco caráter. Mas nem por isso a versão oficial dos acontecimentos diurnos e noturnos permitia tal afirmação. 

Pela tarde, vários veículos de imprensa, curiosos e pseudo-ufólogos estavam na propriedade colhendo informações e analisando a carcaça do animal. No fim do dia, querendo se aproveitar da movimentação para reivindicar o que por direito lhe pertencia e mesmo mancando da perna direita, até coronel Casagrande apareceu por lá. Levou os documentos com o polegar de Nego Várdo em assinatura e chegou fazendo alvoroço entre as autoridades.

Nego Várdo, diplomado na faculdade da astúcia cabocla, de vereda teve uma dessas ideias que só um bom conhecedor de chupa-cabras seria capaz de arquitetar. Aproveitou a presença do juiz e do prefeito na propriedade e rebateu o coronel sugerindo que ali mesmo fosse resolvida a questão, num julgamento em que se contraporiam as teses de um e de outro.

Plateia posta. O juiz sentou num toco de amburana em frente a casa, Nego de um lado e o coronel de outro. Este, iniciando a sessão do júri, mostrou a documentação que oficializava a negociação feita com o caboclo. Já era noite. Em sua defesa, Nego Várdo disse que tais documentos não tinham validade, haja vista as leis serem aplicáveis somente aos homens e ser o coronel um integrante da espécie chupa-cabra e não humana. Depois, discorreu sua história, a relação com o coronel e as provas (orais) de que o mesmo era o bicho ruim num discurso de mais de duas horas.

Onze e meia de noite e coronel Casagrande se perde nas falas, sua sem parar e olha para a lua – cheia. A plateia estava farta de tanto falatório, mas Nego Várdo enrola um pouco mais e a cada pouco olha o relógio. Já era quase meia noite e a cada minuto aumentava a agonia do coronel, que andava de um lado ao outro mancando, provavelmente havia levado um tiro na noite anterior. “Eu quero provas do que me acusas; por enquanto só falou que sou o chupa-cabra, mas não provou nada”, dizia ao Nego Várdo.

A plateia, o juiz e o prefeito ficaram mais por gostar da história que por acreditar no que dizia aquele caboclo. Onde já se viu, um homem ser o chupa-cabra, pensavam. Às 11h59, lua reluzindo no céu e a palavra com Nego Várdo, que conta os segundo para a meia noite no relógio e, no badalar do sino, aponta para seu carrasco dizendo que todos verão a prova do que disse.  Os olhos do coronel ficam mais vermelhos do que comumente. Dos dedos surgem garras, dos dentes, presas e a roupa se rasga enquanto crescem pelos por todo seu corpo. Urra tal qual um bicho selvagem e sai em disparada dentre a mata, assustando a maioria dos presentes, que também corre.

O juiz bate o martelo e sentencia ganho de causa para Nego Várdo.





Inspirado no recomendado livro “O Coronel e o Lobisomem”, de José Cândido de Carvalho.

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