quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Apocalipse no Sertão - A sexta porteira: O xuxuzal sangrento

"Get your motor running
Head out on the highway
Looking for adventure
In whatever comes our way"
("Born to be wild" - Steppenwolf)
 

"pagando de gatão"
momentos antes do acidente
No calçamento dando pau de moto a 60 por hora, até que vejo atravessando pela estrada um tatu, alguns 40 centímetros de casca dura nas suas costas me fizeram muito admirar aquela delicada estrutura, resistente forma de vida entre os avanços das roças de soja e milho junto de seus pesticidas e fertilizantes... Minha reflexão sobre a casca do tatu foi tanta que só a finalizei quando já havia caído num barrau do outro lado da estrada, arrastado 10 metros na pura lama do Sertão do Paraná enquanto a moto havia fincado num xuxuzal - foi o tal xuxuzal bendito que impediu que a moto caísse numa das sangas do rio Veado.

Meu corpo havia tastaviado com a queda, todo embarrado e esfolado no braço esquerdo, tava viraaaaado em praga... Levantei-me para tentar erguer a moto e seguir viagem... Senti meu ombro, do lado da clavícola, mais precisamente o osso da saboneteira. Meti a moto em ponto morto e fui até a casa de um colono pedir socorro, não teve nem conversa, o gringo logo se fincou ligar pra ambulância. Chegando em Pato Branco, o médico me fincou uma faixa e mandou respousar, lembro que naquela noite a dor me impediu de pregar o olho.

Mas não deu outra, no outro dia cedo me boliei atrás da mais conhecida arrumadeira de osso da região: a cabocla Dona Pretinha. Chegando lá, me esperava uma senhora baixinha com as mãos enrrugadas, enquanto terminava de atender uma família necessitada de alimento e roupas. Adentrei sua sala de massagens, logo que enconstou no meu osso, grelhei os zóio imaginando que a dor aumentaria constantemente, entretanto, no primeiro toque de suas sensíveis mãos minha ossada foi entrando no lugar. Cléct, cléct... sua massagem com folhas mentoladas e arnica me fez viajar mais uma vez...

Lembro que me sentia privilegiado, milhares de anos de conhecimentos vindos da terra, dos povos antepassados que viviam em terras ancestrais e que agora podiam ser depositados na minha saboneteira. Pretinha conhecia todas as articulações, nervos, ligações que faziam parte do corpo humano. Sua cura não veio como algo complexo e institucionalizado, mas sim de maneira simples, de quem não saberia também fazer de outra maneira que não fosse pelo querer ajudar. Mais uma vez, em mais um episódio de minha vida me coloquei como mero aprendiz do mundo véio,  pois seja na pequena mas resistente casca de um tatu, num xuxuzal esquecido mas forte na beira de estrada ou nas mãos simples mas sábias de uma cabocla idosa que está aquilo que foge à busca pela perfeição, nos torna mais reais e mais simples de coração.

Nunca valorizei tanto uma sopa de xuxu depois daquele dia!!!

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