sábado, 31 de março de 2012

Anônimos, armados e rebeldes: A guerrilha dos sertão (Revolta dos posseiros de 1957) - parte I


Francisco Beltrão, madrugada de 05 de outubro de 1957:
"A rebelião" - popular
"Livro Negro da Revolta" -
de Othon Mader





Meia-noite, o silêncio da noite era companhia do Inspetor de Quarteirão “Maringá” que apesar da calmaria do breu noturno costumava dormir com um olho fechado e o outro aberto, esperando a visita de seus companheiros funcionários da Companhia Comercial Paraná - que tinha por objetivo tomar as terras dos colonos no Sudoeste. E eis que esses apareceram, eram eles: “Chapéu de Couro”, “Gauchinho”, “Mato Grosso”, “Lapa”, José Lucas, Walter de Tal

- Acorda aí loco véio! O bicho vai pegá hoje, vamo se boliá pra casa daquele lazarento do Mané Paraguay e depois vamô vê que que sobra do Saldanha. Esse Saldanha é aquele que matô o Farias e o Eugênio quando eles foram arrancá ele das terra, não adianta vai ser expulso ingual - dizia Chapéu de Couro ao acordar Maringá.

-Então vamo, má vamo costeando o rio aqui pra não fazê baruio. Vamo faze u serviço 'di manera' rápida e dá no pé, Foi o Marchetti que mandô ocêis? - respondeu Maringá com seu sotaque do norte do Paraná.

-Vamô, que vai sai um troco bão! Enterra os loco no trigo lá do barrancão, fincá os pau por cima pra prova depois pra recebe o 'dinhero' - respondeu o ganacioso Mato Grosso.

Maringá” acompanhou a tropa costeando o rio Ampére para não fazer barulho, cortando o capim a facão, passando entre os capoeirões, os passos lentos e precisos no barro eram apenas interrompidos pelo coaxar dos sapos no banhado. Logo que chegaram a casa de Paraguay, perceberam que o rancho estava vazio e logo atearam fogo na casa, voltando a atravessar o Ampére em outro trecho se direcionando a casa de João Saldanha.
Saldanha já esperava os jagunços, estava de tocaia na janela e foi fugindo com uma Winchester e um revolver, arrombou a porta dos fundos da casa e zarpou para o mato. Foi perseguido pelos tiros dos seis funcionários da Companhia. 

-Vamô sangra esse fiadaputa, vingá nossos companhero! - cada tiro carregado de pólvora era carregado também pela sede de vingança de Nino Farias e Eugênio de Tal.

Chapéu de Couro”, o líder da jagunçada adentrou a casa acompanhado do tal “Gauchinho”, pegou a mulher de Saldanha quando essa estava para fugir e o filho de nove anos de idade, e logo os matou a tiros pelas costas enquanto Gauchinho matava uma menina de 5 anos.
A mando de “Chapéu de Couro”, “Maringá” adentrou o mato acompanhado do tal Lapa ao encalço de João Saldanha, para ver se esse havia conseguido fugir:

-O lazarento escapô, mas até é bão, assim ele conta pra todo mundo o que que acontece com quem quer bancar o valente!

Um galão de gasolina foi o suficiente para queimar toda a casa. Sentados em um cepo para fora da casa, a jagunçada assistia a casa terminando de pegar fogo enquanto os filhos de Saldanha e sua mulher estavam mortos, jogados num mato do lado da casa. 
Até aquele momento, apenas dois dos filhos haviam sobrevivido, um rapaz havia fugido para o mato enquanto outro era um recém-nascido 

-Esse piá não pára de chora, dê um jeito aí José Lucas.

Esse último por sua vez, jogou a criança pra cima e espetou-a com uma adaga. Aquela cena cruel ficou na memória de Saldanha que avistava tudo escondido num capoeirão. Sua única opção era se embrenhar no mato e esperar amanhecer.

O sol clareava, Saldanha adentrava uma picada no meio do matagal para ir até o bodegueiro Luiz Prolo, as lágrimas lhe tomavam até que secou-as e gritou interrompendo o vôo dos quero-queros: JUSTIÇA!

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