A ação da milicaiada era destaque na capa daquele jornal semanal
que circulava em 1966. “Exército fecha antro da imoralidade em Marmeleiro”,
dizia a manchete em letras garrafais, bem no centro da página. A notícia dava
conta da repressão feita cinco dias antes à Geni Drynks, famosa casa de
prostituição e divertimento que funcionava no conhecido “Banhadão da Catuaba”,
na saída pra Beltrão.
Lembre o caro leitor que esta era época em que estava em execução
a famosa “política de desenvolvimento, cacete e cadeia”, adotada pela
dita-cuja. A notícia mais era um factoide para reforçar a imagem institucional
das Forças Armadas e mascarar as reais motivações dos eventos.
O caso noticiado não foi violento, segundo a versão oficial. De
acordo com a redação, apenas um tiro foi disparado nessa ação. A bala saiu do
mesmo fuzil que recentemente foi roubado por dois peleguinho-oreia-seca de
dentro do quartel.
Após anos de silêncio – e sensibilizado pela ação militar que hoje
acontece nas ruas de capital do Sertão – um dos combatentes do episódio resolveu
abrir a boca e expor sua versão do fato. Ao custo de três doses de Bitter
Águia, o véio do maior bigode da região, que pediu anonimato, revelou que a
milicaiada era tudo amiga do putedo do banhadão; e duma amizade por demais liberal,
diga-se de passagem.
Diz que a repressão foi arquitetada pelo tenente Curió, comandante
do quartel. Esse mesmo Curió, um dos únicos brasileiros da época a ter as
partes íntimas com uma tonalidade lilás, era frequentador de ocasião da Geni Drynks,
tendo, inclusive, preferência no uso do Gabinete, local reservado à gente do
alto escalão da sociedade.
Numa noite festiva em que o Gabinete reunia as mais altas patentes
militares, cargos públicos e ordenações sacerdotais, o putedo extorquiu pareio.
Rameira de longa data e a esta altura aposentada do ofício de meretriz, Geni só
tinha por amante oficial o dito Curió. Ela era a fonte que o passarinho bebia e
se banhava e fazia o escambau. Mas essa gringa de pequenos olhos e rechonchudas
curvas era esperta pros negócios. O abuso nos preços das meninas, bebidas e
quarto era prática comum nestes locais.
Comandante Curió, por exemplo, torrou o dinheiro que tinha e o que
estava por vir ostentando as estrelas de sua farda. Não tendo mais o que
gastar, empenhorou seu Boulevard Swiss, relógio militar muito usado na época e
pelo qual o comandante tinha grande apreço. A joia era presente de noivado do
sogro, um major reformado.
Dias depois, o tenente viu o relógio no pulso de um empresário seu
amigo. Espiculou como quem não quer nada e confirmou que o arigó havia ganhado
o objeto de uma de suas “namoradas” da zona. Ao invés de dar uma camassada de
pau no cara, Curió preferiu ir à fonte: reuniu todo seu contingente verde-oliva
em três jipes e dois Fordinho e se bandiaram pra Marmeleiro pela estrada velha
do São Cristovão.
Aqueles eram tempos em que a negada se cagava de medo diante de
qualquer movimentação militar. Essa não era diferente. Ao invés da estrela, o
inimigo de agora era identificado pela luz vermelha. Sob os urros do tente
Curió, a milicaiama já chegou descendo o guatambu no lombo da muierada e o pau
comeu pareio naquele início de noite.
Era puta arrastada pelas gadeia, colchão pegando fogo, garrafa
quebrada.... e nesse rebuliço todo, apenas um tiro foi ouvido. Foi o de um
fuzil empunhado por um miliquinho de metro e meio que gritava que nem um loco “cacete
e cadeia nesse putedo”. O alvo do tiro não pôde ser outro senão a luz vermelha
que alumiava a frente do promíscuo estabelecimento e o identificava como tal.
A cafetona Geni foi a última a se render. E só o fez depois que
acorrentaram os sepos que seguravam a casa na rabeira dum caminhãozinho e
puxaram, levando abaixo o meretrício mais famoso da região. Apesar da boa
repercussão na imprensa, a repressão não foi bem aceita nas rodas de chimarrão,
mesas de bodega e, principalmente, gabinetes. O governo militar há pouco
instaurado enfrentou assim sua primeira grande crise política em razão da
operação planejada apenas emotivamente por um militar com nome de passarinho.
Tenente Curió foi transferido. Perdeu o relógio, manteve a honra e
ganhou a patente de major, quando liderou outra repressão, esta aos comunistas
do Araguaia. Geni casou com o carcereiro da delegacia onde ficou presa por duas
semanas; suas meninas, menos que isso. Já o fuzil continuou servindo a pátria,
mas apenas cumprindo formalidades e intimidando por si só. Nunca mais espirrou
pórva pelo cano.
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