terça-feira, 22 de novembro de 2011

O Apocalipse no sertão: Terceira porteira: A Paz (Diário de bordo - terceira parte)

Paz, 16 de novembro de 2011, 16:04

E eis que escrevendo sobre a própria vida, parei na comunidade de Paz para escutar a História dos outros. Agora transcrevo o que ouvi.


Uma vez uma mulher possuía uma doença inexplicável e extremamente depressiva

acordava no meio da noite e chorava sem parar. Seu filho de 12 anos a pedia:

-'Manhê', por que tu chora? Não chora mãe!

Bodega do Seu Bastião
onde me foi relatada essa História


Sem resposta, a velha polaca fazedoras de cucas e doces, dona de uma padaria caseira continuava seu pranto interminável. Rogou a todas as Nossas Senhoras que conhecia pedindo que aquele sofrimento de anos se findasse, desde a de Fátima, passando pela virgem Aparecida, do Perpétuo Socorro e até Nossa Senhora da Cabeça. Pediu também para São Braz, São Bartolomeu e até Santo Expedito. Suas preces não foram atendidas. 

O chamado "Papai Noel"
da Paz contando um causo
Numa noite quando a chuva caía violentamente sem cessar entre "relampejos" e trovões, Dona Gertulina sentia imensas dores no pulmão que lhe faziam sofrer mais ainda, não aguentava nem com as pernas até que se ajoelhou e do nada pediu a São Jorge, o último santo conhecido, o 13o. santo chamado por sua voz.

E disse:

-Jorge (tinha o costume de chamar os "santos" com afinidade), ocê que é chamado guerreiro, que cativou o dragão do mal e o tornou bom, me faz curada, me mostra a cura nem que seja por um andarilho desses que vem aqui pedir 'as coisa'. 


São Jorge da Capadócia
representado na Igreja
Ucraniana Oriental
Após aquele pedido, a chuva parou. E ela se convenceu de que poderia dormir. Caiu na cama, até que no outro dia, a tarde como acontecia frequentemente apareceu um andarilho desconhecido com os cabelos que pareciam não serem lavados há tempos, grandes mechas que diziam parecer um novelo de lã de ovelha. Ele ali parou e pediu um copo d'água e logo também lhe foi oferecido o cepo pra sentar. O homem cansado pediu um "pôso" para se abrigar da chuva e Gertulina não recusou. Na janta lhe serviu uma sopa quente não sem antes agradecer pelas vendas na padaria, pelas amizades na comunidade e até pela chuva que caía e daria uma boa colheita naquele ano.


O andarilho após dizer amém olhou para a mulher e perguntou: 


- Dona, tu parece tá sofrida.


Sua resposta foi uma lágrima escorrida que parecia queimar-lhe o rosto. Ele logou lhe falou:


-O que tu 'teim' de 'fazê' é um remédio que eu 'vô' te ensina. Tu pega uma folha de 'loro' e corta um pedacinho de cipó-sumo daqueles que tem ali 'atrais' da casa. Ferve e toma tudo num golaço que meio que desça te queimando os 'purmão'.

Gertulina anotou a receita da xaropada num papel amarelado. Na manhã seguinte, o andarilho se despediu e agradeceu a comida, o "pôso", e a comida até se findar pelo horizonte para nunca mais ser visto.


Seu João, o filho de Gertulina segurando
um pedaço de cipó-sumo que dizem que
afina o sangue e combate a hipertensão
A padeira ao tomar a xaropada caiu dura no chão e horas depois de um sono profundo acordou com seu filho lhe segurando a mão e seu marido cerreiro que estava na estrada há mais de 20 dias a observando da porta. 
A cerraria de Paz

Abraçou ambos e agradeceu a Deus sorrindo para nunca mais chorar. Ninguém sabe nem sequer o nome daquele andarilho, mas eu tenho por certeza que era Jorge.


Agora eu descobri que a Paz existe, ele está dentro dos nossos corações e nas histórias que carregamos.

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