sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Branca Leone, o gringo que comeu a Gema sem quebrar o ovo

Era pra ser mais um dia normal e tranquilo na bodega da Linha São Paulo, no último ano da década de 60. Mas sabem bem os leitores que tal estabelecimento, para fazer jus ao seu nome, necessita ser o palco de algumas brigas banalizadas, apostas fúteis e mentiras bem aplicadas. E acrescente-se: escândalos sexuais-comunitários também.

Lá pelo décimo trago, um grupo de gringos realizava o concurso de eucentrismo, a máxima representação dessa coisa que a espécie humana tem em ressaltar as qualidades e esconder os defeitos. Um dizia ter colhido o melhor feijão da região, outro ter carneado um leitão que deu mais de 100kg de banha, outro lá dizia ter o cavalo mais rápido, ... Mas era sabido que a veracidade habitava as palavras do João do Poço, enquanto este falava das habilidades e vitórias de seu galo de rinha. Batizado de Jânio Quadros, em razão do semelhante hábito ao do ex-presidente em tomar uma de vez em quando e pelo andar torto, o animal era conhecido em todo o sertão pela boa habilidade em ser mau. Mais feio que indigestão de torresmo, na arena o galo índio muía os adversários.

Foi este raro espécime que despertou a cobiça de Angelin Brancalione (mas chama de Branca Leone que o pessoal conhece mais). O gringo ouvia a conversa no bar e propostiáva o dono do galo com vistas a fechar uma negociação.
- Te dou uma novilha manca.
- Não.
- Uma fublé enferrujada.
- Menos ainda, imundiçia.
- Trêis borsa de feijão véio?
- Do meu galo não me desfaço tão fácil – dizia João do Poço, mais duro de dobrar que salame da colônia.

Mas Branca Leone não era de fácil desistência. Podia ser monte no bríque, mas era ligeiro na malandragem. Começou com a fala mansa e logo foi atraindo a atenção dos presentes dizendo ser capaz de algo até então impossível para a humanidade eurosudoestina: comer a gema sem quebrar o ovo. De pronto começaram as dúvidas e Branca Leone agora é quem se fazia de difícil. Todos imploravam para ver o feitio do gringo, mas ele só o faria em troca do galo, que após muita insistência foi objeto da aposta. Sua habilidade quase que transcendental seria comprovada na semana seguinte, conforme combinado, no mesmo recinto, no mesmo horário.

Dito e feito, na quarta badalada do relógio apareceram todos à bodega. Era evento maior que a festa do padroeiro. Até o padre Moisés e o coronel Pacheco Lustosa se achegaram a garantiram um lugarzinho no estabelecimento, no dia que já contabilizava a maior venda de pinga com mentruz da história da Linha São Paulo, até mais que quando o time local foi campeão do torneio municipal, num jogo conhecido por “Massacre do Varzeano”: foram dois mortos, cinco elijados e um capado. Aliás, o time só ganhou por ter tirado mais adversários do campo na base do tiro, da faconada e do grito.

Com poucos minutos de atraso e já alguns tragos na cabeça, surge na porta da bodega a estrela principal do dia e figura de idolatria entre seus contemporâneos locais. Alguns espectadores passaram mal em razão da alta taxa de adrenalina, outros tiveram crise de asma e teve uns que caiam de beudo mesmo. Branca Leone cumprimenta com um típico “taaaarddeeeeeee”, dá dois passos à frente, verifica que não há ninguém na retaguarda, arreia a calça com guaiaca e tudo, põe uma mão na cintura, e diz, batendo com a outra no saco:
- Tá qui, ó. Não quebrei nenhum dos meus dois ovo. Se quiserem confirmá podem até vim passá a mão, mas sem viadage.

A multidão, atônita e meio sem entender aquele ato de pudor, não manifestou nenhuma reação. Apenas consentiu. Não obtendo resposta alguma contestando a veracidade de seu feito, Branca Leone ergueu a calça, assegurou o fechamento do zip, pegou o galo Jânio, que por direito agora lhe pertencia, e foi embora. Somente dias depois é que, pela boca do bodegueiro, se espalhou a notícia de que Branca Leone havia mantido relações sexuais com uma tal de Gema Lustosa, moça filha do coronel Pacheco, e não sofreu nenhuma avaria nos testículos. Cumpriu, assim, sua palavra de que comia a Gema sem quebrar os ovos.

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